I
Volto novamente a "Infância", pequena obra prima de Graciliano Ramos:
"A professora tinha mãe e filha. A filha [...] nos ensinava as lições, mas nos ensinava de tal forma que percebemos nela tanta ignorância como em nós".
II
Insisto com o mesmo livro, me valendo, agora, de um trecho mais longo:
"Ora, uma noite, depois do café, meu pai me mandou buscar um livro que deixara na cabeceira da cama. Novidade: meu velho nunca se dirigia a mim. [...] Espantado, entrei no quarto, peguei com repugnância o antipático objeto e voltei à sala de jantar. Aí recebi ordem para me sentar e abrir o volume. Obedeci engulhando, com a vaga esperança de que uma visita me interrompesse. Ninguém nos visitou naquela noite extraordinária.
Meu pai determinou que eu iniciasse a leitura. Principiei. Mastigando as palavras, gaguejando, gemendo uma cantilena medonha, indiferente à pontuação, saltando linhas e repisando linhas, alcancei o o fim da página, sem ouvir gritos. Parei surpreendido, virei a folha, continuei a arrastar-me na gemedeira, como um carro em estrada cheia de buracos.
[...]
À noite meu pai me pediu novamente o volume, e a cena da véspera se reproduziu: leitura emperrada, mal-entendidos, explicações.
Na terceira noite, fui buscar o livro espontaneamente, mas o velho estava sombrio e silencioso. E no dia seguinte, quando me preparei para remoer a narrativa, afastou-me com um gesto, carrancudo.
Nunca experimentei decepção tão grande. Era como se tivesse descoberto uma coisa muito preciosa e de repente a maravilha se quebrasse. E o homem que a reduziu a cacos, depois de me haver ajudado a encontrá-la, não imaginou a minha desgraça. A princípio foi desespero, sensação de perda e ruína, em seguida uma longa covardia, a certeza de que as horas de encanto eram boas demais para mim e não poderiam durar".
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