Pular para o conteúdo principal

Roberto Carlos do Brasil

A piada é batida, mas sempre cai bem. Dizem que há três coisas certas em nossas vidas: a morte, o pagamento de impostos e o especial de final de ano do Roberto Carlos na Globo. Pois bem. Cantarolei baixinho 11 das 15 músicas interpretadas pelo Rei nesta sexta-feira. Ao escrever essa última frase não sei se sinto orgulho ou vergonha, tal qual acontece quase sempre que penso no quanto gosto da obra do Robertão.

Roberto é musicalmente limitado, mas canta pra cacete. A maioria de suas letras (mesmo na fase áurea) é extremamente simples, mas nem por isso deixam de ser bacanas – sendo que algumas, por mais paradoxal que possa parecer, chegam a beirar a genialidade. Sua religiosidade e manias me irritam, mas o que eu tenho a ver com isso?

Como é possível ouvir "Detalhes" pela 5432ª vez e mesmo assim parar pra prestar um pouco mais de atenção em determinado verso? Como é possível ter na memória cada acordezinho de "Emoções", se ela não está nem entre as mnhas 30 favoritas do Rei? Como é possível assistir ao especial da Globo torcendo pra que ele cante AQUELA canção?

Pausa para ouvir "Outra vez":



Dia desses, o chapa Ronaldo Samadello contou das reações de uma parente que chora compulsivamente sempre que ouve as canções do Rei. Lembro também de uma vizinha que falava para quem quisesse ouvir, em tom sério, que Roberto Carlos foi, é e sempre será o homem mais bonito do Brasil. A experiência de assistir a um de seus shows ao vivo também vai nessa toada, com direito a manifestações apaixonadas e até mesmo vulgares das senhorinhas mais exaltadas.

Há uns quatro anos, depois de ler "Como dois e dois são cinco", de Pedro Alexandre Sanchez, ouvi disco a disco a obra de Roberto (viva a internet!). O livro analisa cada um deles e é sem dúvida o melhor trabalho já feito pra entender um pouco da fama, do talento e da aura criada em torno do cantor. Roberto nunca teve o talento de um João Gilberto, a genialidade de Chico ou Tom, nem mesmo o carisma de Simonal ou Ronnie Von. Também nunca foi um homem bonito, politicamente engajado, engraçado ou alguém que se portasse como exemplo para os mais jovens. Como explicar Roberto Carlos?

Em um trecho do livro, Pedro Alexandre dá uma definição que talvez ajude a entender um pouco esse fenômeno: "
Roberto Carlos é um dos mais intensos e completos sinônimos de Brasil que já existiram, quase assim um mito do nosso folclore. Nutrido do misto de amor e resistência (repulsa?) que todos sentimos por ele, Roberto poderia se chamar Brasil".

Desconfio que a resposta para entendermos o que o Brasil sente por Roberto vai por essa linha. Nosso país sempre foi e será uma contradição absurda, repleto de motivos que nos enchem de orgulho e vergonha, de paixão e ódio, de realizações que merecem ser apagadas da história e outras que devem ser perpetuadas por todo o sempre.

Depois do especial da Globo deu vontade de voltar a escutar alguns dos discos do Rei com mais atenção e, consequentemente, escrever uns posts aqui sobre eles. Fica uma canja aqui de "Só vou gostar de quem gosta de mim":


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Os compatriotas de Woody Allen

Estava em algum site por aí hoje: O diretor americano Woody Allen considera que a maioria de seus compatriotas são gordos e sexualmente complexados. "Tudo ali é expressão do medo e da repressão sexual: a loucura religiosa, o fanatismo pelas armas, a extrema-direita louca. Eles têm uma visão da sexualidade marcada por duvidosas leis morais", afirma Allen, em entrevista antecipada hoje pelo jornal "Die Zeit". O diretor de "Vicky Cristina Barcelona" considera que o sexo é utilizado nos Estados Unidos "como uma arma dramática, assim como a violência" e que as muitas cenas de sexo nos filmes produzidos em seu país são "simplesmente entediantes".

"Vesti azul.... minha sorte então mudou"

A primeira vez que ouvi falar em Wilson Simonal foi no colégio - se não me engano, numa aula da Tia Idair, na quarta série. Por algum motivo, ela havia citado "Meu limão, meu limoeiro" e ninguém da classe sabia do que se tratava. Estupefata, ela cantarolou "... uma vez skindô lelê, outra vez skindô lalá" e tentou fazer algo no estilo que o "rei da pilantragem" costumamava aprontar com suas plateias . E deu certo. Dia desses fui ver "Simonal - Ninguém sabe o duro que eu dei", documentário muito bem feito sobre a carreira do sensacional cantor, com ênfase, claro, na eterna dúvida que o cercou desde os anos 70 até sua morte, em 2000: Simonal foi um dedo-duro dos militares durante a ditadura ou não? Pra quem não sabe do que se trata, um resumo curto e grosso: Simonal competia com Robertão na virada dos 60 para os 70 como o cantor mais popular do Brasil. Um belo dia, seu nome aparece nos jornais como delator de companheiros de profissão, alguém a serv

A grandeza de Nelson Ned

Um belo dia, em um programa de televisão (“Conexão Internacional”, da extinta Rede Manchete), Chico Buarque enviou uma pergunta para Gabriel García Márquez: “As suas preferências musicais causam espanto em muita gente, principalmente aqui no Brasil. Eu queria saber se os seus romances fossem música, seriam samba, tango, som cubano ou um bolero vagabundo mesmo?”. Com elegância e sem vergonha de suas preferências, o escritor colombiano respondeu: “Eu gostaria que fossem um bolero composto por você e cantado pelo Nelson Ned”. Pela terceira vez (haverá ainda um quarto texto), recorro a “Eu não sou cachorro, não”, livro de Paulo César Araújo para relatar causos de nossa cultura popular. Pouco antes da resposta de Gabo a Chico, fico sabendo ainda que o Nobel de Literatura escreveu “Crônica de uma morte anunciada” ao som de canções como “Tudo passará”, do grande pequeno cantor brasileiro, cuja obra em geral é relegada aos rótulos de “cafona” e “brega” de nossa discografia. Nelson Ned é figura