"Boi, boi, boi... boi da cara preta... ensina esse menino a não ter medo de buceta!".
O volante são-paulino deixou de ser ignorado pela torcida organizada, mas passou a ser hostilizado. Grande evolução!
Toco nesse assunto aqui, no entanto, devido a outro ponto que tem incomodado. De uns tempos pra cá, parece que se tornou proibido criticar o jogador, por conta de toda essa polêmica sobre sua vida pessoal.
Em geral, a imprensa sempre destaca o vigor físico de Richarlyson, sua raça, sua dedicação ao time – características louváveis, sem dúvida. Mas, apesar de bons lances como o gol no último jogo do São Paulo, contra o Mirassol, seu nível técnico, sua afobação e suas falhas de marcação há tempos incomodam grande parte dos torcedores.
Para alguns, criticar Richarlyson soa como preconceito. O problema é que esse tipo de comportamento é um preconceito disfarçado, que não ajuda em nada a combater o sentimento lamentável de parte da torcida são-paulina.
Dito isso, segue abaixo uma boa entrevista feita pelo Globo Esporte.com com o jogador, que deve completar no próximo final de semana 200 jogos com a camisa Tricolor:
Nos tempos de hoje, um atleta completar 200 jogos com a camisa de um clube não é um fato normal. O que significa isso para você?
É gratificante demais. Sinto-me lisonjeado de estar alcançando essa marca em um clube como o São Paulo, que a cada ano reformula o elenco. Chegam e saem jogadores, e eu continuo aqui. Primeiro vim com o objetivo de me estabilizar. Esses anos passaram muito rápido, o que significa que o meu trabalho é bem-feito. Hoje adquiri um respeito dentro do São Paulo. Conquistei meu espaço.
Nesses quatro anos e meio de São Paulo, qual foi o seu melhor momento?
Com certeza foi em 2007, quando fui eleito o melhor volante do Campeonato Brasileiro. Foi uma experiência feita pelo Muricy que deu muito certo. Lembro que era um meia e gostava de chegar ao ataque. O Muricy estava sem volantes. Josué e Mineiro tinham ido embora. Primeiro ele tentou o Souza, mas não deu certo. E foi tudo de bom para mim. Ganhei prêmios individuais que abriram caminho para defender a seleção brasileira.
E o pior momento?
Por incrível que pareça, a volta da seleção em 2008. Eu perdi a posição no time, fiquei seis meses na reserva. O time encaixou dentro de uma formação, e o Muricy deu oportunidade para outros atletas. Para mim, foi muito difícil ter de lutar de novo para buscar a posição.
Muitos dizem que você caiu de rendimento em 2008 porque voltou deslumbrado da seleção.
É claro que a minha responsabilidade aumentou. Mas, quando voltei, não tive mais uma seqüência de jogos. E, para piorar, a cada vez jogava numa posição. Teve partida em que comecei como zagueiro, virei lateral e acabei como volante. Não foi salto alto. Não sou mascarado. Quem me conhece sabe disso.
Considera-se polêmico?
Não, as pessoas é que acham isso.
Então, por que é perseguido?
Sinceramente, não sei explicar. É só ver essa última polêmica do cabelo grande. O Ronaldinho Gaúcho tem cabelo grande, o Vagner Love tem cabelo grande, o Carlinhos Paraíba, que chegou agora, tem cabelo grande. Por que comigo a polêmica é sempre maior? Eu não entendo isso. Se eu coloco uma roupa apertada ou uma calça diferente, é polêmico. Com outros, não. Mas quer saber? Isso nem me incomoda mais.
Por que acha que tem esse tratamento diferente da torcida?
Eu queria saber. Mas aproveito e mando um aviso a quem me critica. Eu não vou mudar, não vou deixar de ser o que sou por causa de uma minoria. Não vou deixar de viver do jeito que eu gosto porque esse ou aquele não gosta. Se eu estiver feliz, o resto não vai importar. Quando surgiu a polêmica do cabelo, quando falaram que iam me bater, eu aproveitei para rezar. Sou muito apegado a Deus. Se eu estivesse cometendo alguma aberração, certamente mudaria. Mas sou feliz porque só faço coisas sadias.
Acha que aquela questão com o diretor do Palmeiras (José Cirilo Júnior, diretor que o chamou de homossexual) tem relação com as críticas que você sofre?
Sem dúvida. Se não for 100%, tem 99% de relação.
Como terminou essa situação?
Terminou que eu ganhei o processo. Eu não quis dinheiro, quis apenas que ele se retratasse. Depois, ele pagou cestas básicas para uma instituição de caridade. Depois, ninguém mais me encheu o saco com isso.
E você acha que ficou algum resquício do torcedor?
Sem dúvida. E sei que não vai mudar. O Brasil é um país muito preconceituoso. E não só em termos de sexo. É de raça, de religião. Isso vai acontecer. Vou carregar isso até o fim dos meus dias no São Paulo. É uma pequena minoria que se acha no direito de se intrometer na minha vida. As pessoas passam do limite.
Não tem vontade de tomar outra atitude?
Vou fazer o quê? Processar, eu já processei. Vou falar uma coisa que nunca falei para ninguém. Uma apresentadora de TV disse no seu programa que eu me assumi homossexual. E o que eu posso fazer? Vou mexer nisso tudo de novo? Tudo o que aconteceu com o Cyrillo vai ser falado de novo. Por isso agradeço a criação que tive. Eu sou eu e pronto.
De onde tira essa personalidade para reagir sempre? Parece que quanto mais as pessoas falam, mais você tem força.
Se não agisse dessa maneira, não estaria mais aqui, não tenho a menor dúvida. A minha personalidade vem porque sei o que eu sou e o que eu posso fazer. É claro que, de vez em quando, bate uma pequena tristeza. Aí eu ligo para a minha mãe e para o meu pai em Bauru e fica tudo bem. Meu irmão (Alecsandro, que joga no Internacional) também é um parceiro importante nessas horas. Eles gostam de mim do jeito que eu sou.
E como faz no estádio? Como consegue ignorar as provocações?
Você não tem noção de como isso me alimenta. É um combustível enorme. Porque sei que é uma injustiça muito grande. Desculpe o termo, mas, quando entro em campo, só penso em f... esses caras.
Pelo contrário. Faço exatamente as mesmas coisas que sempre fiz. É engraçado. Quando estou na rua ou vou viajar, sou um cara sempre bem recebido, escuto inúmeros pedidos de fotos e autógrafos. O que mostra que é uma coisa pessoal e direcionada por essa minoria. Não tem como ser hipócrita e querer ser bonzinho com essas pessoas, principalmente porque sei que elas não vão mudar de opinião independentemente do que eu fizer. É mais fácil eu sair do São Paulo do que essas pessoas refletirem. Como saiu o Kaká e como saiu o Luis Fabiano. Mas vou fazer o quê?
Quais os projetos futuros do Richarlyson?
Com certeza, quero chegar aos 300 jogos pelo São Paulo. Estou muito feliz, totalmente adptado e num clube que me respeita e me dá todas as condições. Não sou tão deslumbrado em atuar na Europa. Aqui me sinto em casa. Já falei para o Juvenal (presidente) que se ele quiser renovar por mais cinco anos, eu renovo. Nunca recebi qualquer bronca do presidente e de qualquer membro da diretoria. E isso mostra que faço meu trabalho bem-feito.
Comentários
Sempre que posso vou ao Morumbi assistir aos jogos do São Paulo, e sempre fico indignada com as torcidas organizadas;
É claro que o Richarlyson não é o melhor jogador do time, mas não tem como negar que ele tem muita garra!
Bjo