Fui um indivíduo sem a TV Globo em casa durante grande parte da infância. Por pelo menos oito ou nove anos, as imagens da emissora só apareciam com uma qualidade terrível no velho televisor Sharp de 17 polegadas da minha sala, condição que levava o povo de casa a ver esportes na Bandeirantes, jornalísticos em qualquer canal e programas de entretenimento no SBT.
Praticamente não vi “Caverna do Dragão”, “He-Man”, “Xou da Xuxa” e “Família Dinossauro”, programas que quem tem entre 25 e 35 anos costuma se lembrar com saudade. Não me lembro de quase nada do ”Fantástico”; dos “Trapalhões” eu me recordo somente pelos domingos passados nas casas de amigos ou parentes. O “boa noite” do Cid Moreira não me traz qualquer nostalgia, assim como certas vinhetas que até hoje são utilizadas pela Globo.
Em virtude disso, minha formação televisa foi composta por extremos durante a infância e a pré-adolescência. Por um lado, “Programa livre”, “Rá-tim-bum”, “Bambalalão”, “Anos incríveis”, “Mundo de Beckman” e outras atrações bacanas da TV Cultura. Pelo outro, tio Silvio Santos e todo o arsenal do SBT, que neste mês de agosto completa 30 anos.
Certa vez, durante a faculdade, a Camila, hoje casada com o camarada Hessel, fez um comentário que eu entendi como crítica e incompreensão ao mesmo tempo. Eu acabara de elogiar Ronald Golias, logo após ter falado sobre algum filme do Woody Allen. Ela não conseguia entender como era possível gostar de dois artistas tão opostos. Desde então isso se tornou muito claro para mim: a “culpa” dessas discrepâncias era do SBT.
Coloco “culpa” entre aspas porque no fundo não vejo nenhum problema nisso. Sem dúvida eu poderia ter gastado os milhares de horas assistidos no canal 4 com outros afazeres, mas não consigo me imaginar como uma pessoa melhor ou mais refinada só por ter visto (e ainda ver) “Pica pau”, “Chaves”, “Chapolin” e outras atrações que só a programação infantil do SBT oferecia. O mesmo vale para os programas de entretenimento adulto: o já citado Golias está na minha lista particular de gênios do humor, assim como dificilmente aparecerá algum apresentador mais popular (na acepção da palavra) do que Silvio Santos.
No Orkut, havia (talvez ainda exista) uma comunidade chamada “SBT formou meu caráter”. Exagero à parte, é impossível desvincular a emissora das memórias afetivas de determinada parte da infância daqueles que nasceram e cresceram acompanhando as coisas boas e tenebrosas do canal do Silvião.
Um dos meus sonhos de infância era cobrar um pênalti no programa do Sergio Mallandro. Uma grande frustração era não ter telefone em casa para poder participar de alguma brincadeira do Bozo. Aos domingos, havia sempre a expectativa pela participação de Ari Toledo no “Show de Calouros”. Como não rir quando o SBT anunciava que tal filme iria ser exibido “pela primeira vez na televisão”, mesmo quando isso era uma lorota descarada? E as câmeras escondidas de “Topa tudo por dinheiro”, com o inesquecível Ivo Holanda? E o “Domingo no parque”? E o “Viva a noite” todos os sábados? E as novelas mexicanas, como “Chispita” e “Carrossel”? E a banheira do Gugu, tão aguardada por milhões de adolescentes pelo Brasil afora?
Ao completar 30 anos, o SBT já soma uma trajetória que praticamente se equivale à metade da história da televisão no Brasil. É triste constatar, numa análise mais fria, que são poucas as reais contribuições para o país oferecidas pela emissora, transmitida – nunca custa lembrar – a partir de uma concessão pública. Erroneamente, o afeto causado por esse tempo gasto em cima de vários sofás e diante de alguns televisores se traduz em um discurso quase sem críticas, talvez até meio bobo. Mas é assim mesmo: em geral, nossas memórias, além de seletivas, são também baseadas naquilo que realmente nos marcou. Ignorá-las seria melhor do que pintá-las de cores que não existiram. Na dúvida, opto por escancará-las.
Praticamente não vi “Caverna do Dragão”, “He-Man”, “Xou da Xuxa” e “Família Dinossauro”, programas que quem tem entre 25 e 35 anos costuma se lembrar com saudade. Não me lembro de quase nada do ”Fantástico”; dos “Trapalhões” eu me recordo somente pelos domingos passados nas casas de amigos ou parentes. O “boa noite” do Cid Moreira não me traz qualquer nostalgia, assim como certas vinhetas que até hoje são utilizadas pela Globo.
Em virtude disso, minha formação televisa foi composta por extremos durante a infância e a pré-adolescência. Por um lado, “Programa livre”, “Rá-tim-bum”, “Bambalalão”, “Anos incríveis”, “Mundo de Beckman” e outras atrações bacanas da TV Cultura. Pelo outro, tio Silvio Santos e todo o arsenal do SBT, que neste mês de agosto completa 30 anos.
Certa vez, durante a faculdade, a Camila, hoje casada com o camarada Hessel, fez um comentário que eu entendi como crítica e incompreensão ao mesmo tempo. Eu acabara de elogiar Ronald Golias, logo após ter falado sobre algum filme do Woody Allen. Ela não conseguia entender como era possível gostar de dois artistas tão opostos. Desde então isso se tornou muito claro para mim: a “culpa” dessas discrepâncias era do SBT.
Coloco “culpa” entre aspas porque no fundo não vejo nenhum problema nisso. Sem dúvida eu poderia ter gastado os milhares de horas assistidos no canal 4 com outros afazeres, mas não consigo me imaginar como uma pessoa melhor ou mais refinada só por ter visto (e ainda ver) “Pica pau”, “Chaves”, “Chapolin” e outras atrações que só a programação infantil do SBT oferecia. O mesmo vale para os programas de entretenimento adulto: o já citado Golias está na minha lista particular de gênios do humor, assim como dificilmente aparecerá algum apresentador mais popular (na acepção da palavra) do que Silvio Santos.
No Orkut, havia (talvez ainda exista) uma comunidade chamada “SBT formou meu caráter”. Exagero à parte, é impossível desvincular a emissora das memórias afetivas de determinada parte da infância daqueles que nasceram e cresceram acompanhando as coisas boas e tenebrosas do canal do Silvião.
Um dos meus sonhos de infância era cobrar um pênalti no programa do Sergio Mallandro. Uma grande frustração era não ter telefone em casa para poder participar de alguma brincadeira do Bozo. Aos domingos, havia sempre a expectativa pela participação de Ari Toledo no “Show de Calouros”. Como não rir quando o SBT anunciava que tal filme iria ser exibido “pela primeira vez na televisão”, mesmo quando isso era uma lorota descarada? E as câmeras escondidas de “Topa tudo por dinheiro”, com o inesquecível Ivo Holanda? E o “Domingo no parque”? E o “Viva a noite” todos os sábados? E as novelas mexicanas, como “Chispita” e “Carrossel”? E a banheira do Gugu, tão aguardada por milhões de adolescentes pelo Brasil afora?
Ao completar 30 anos, o SBT já soma uma trajetória que praticamente se equivale à metade da história da televisão no Brasil. É triste constatar, numa análise mais fria, que são poucas as reais contribuições para o país oferecidas pela emissora, transmitida – nunca custa lembrar – a partir de uma concessão pública. Erroneamente, o afeto causado por esse tempo gasto em cima de vários sofás e diante de alguns televisores se traduz em um discurso quase sem críticas, talvez até meio bobo. Mas é assim mesmo: em geral, nossas memórias, além de seletivas, são também baseadas naquilo que realmente nos marcou. Ignorá-las seria melhor do que pintá-las de cores que não existiram. Na dúvida, opto por escancará-las.
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