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E quando ele(a) decidir o que será quando crescer?

Desde que passei a considerar seriamente a ideia de ser pai, volta-e-meia me pego preocupado com a educação do(a) futuro(a) herdeiro(a) – já escrevi sobre isso por aqui, quando escrevi sobre a dificuldade de se escolher uma escolinha para os primeiros anos de vida de uma criança.

Volto ao tema, mas já pensando mais à frente, na época em que precisar dar algum tipo de "orientação vocacional" ao moleque-bom-de-bola ou à menina-linda-do-papai. Quase todos os jornalistas que conheço sempre falam que a sugestão deve caminhar para a área de exatas; alguns amigos da área de exatas sugerem profissões mais criativas. No frigir dos ovos, poucos são (ou estão) realmente satisfeitos com seus trabalhos, mas no final das contas a ideia de direcionar a profissão de um filho me parece tão ultrapassada quanto certos conceitos que ainda temos sobre a hora certa para buscar um primeiro emprego.

As próximas décadas vão mostrar qual rumo o Brasil tomará, mas percebo que a maioria das pessoas de meu convívio social mantém uma mentalidade sobre esse assunto que me parece retrógrada. Por virem de uma origem social humilde e terem conseguido prosperar, ascendendo socialmente a partir de seu esforço e com pouco apoio financeiro dos pais, esses colegas, amigos e nem-tão-amigos entendem que quanto mais cedo alguém começar a trabalhar, melhor para a formação e o desenvolvimento da responsabilidade de uma adolescente ou jovem adulto.

"Aos 13 anos eu já trabalhava". "O vagabundo tem 21 anos e nunca teve a carteira assinada". "Filho meu vai ter que trabalhar e estudar desde cedo". Essas são algumas frases que me incomodam bastante nos últimos tempos, por não de adequarem totalmente a uma nova realidade do país e do mundo.

Hoje, a lei brasileira diz que um jovem só pode trabalhar legalmente a partir dos 16 anos. Na sociedade agrícola do século 19, era comum ver crianças de seis anos ajudando no orçamento familiar. Se pensarmos no início do século 20 no Brasil, fase em que nossos avós e parte dos nossos pais viveram, muitos já trabalhavam aos oito, nove anos de vida, condição que levou grande parte da população a não se qualificar adequadamente para a vida profissional adulta, permanecendo por toda a vida sem condições de disputar cargos mais auspiciosos.

Marcio Pochmann, presidente do Ipea, costuma dizer que o mundo hoje já vive em uma sociedade pós-industrial. Ele tem falado a quem quiser ouvir (com muito mais propriedade do que este pretenso blogueiro) que, na atual “sociedade do conhecimento” em que vivemos, não há justificativa técnica para que as pessoas comecem a trabalhar antes dos 25 anos de idade.

São cerca de 37 milhões de jovens brasileiros na faixa etária de 16 a 24 anos, de acordo com o IBGE. Metade não estuda. Segundo Pochmann, que também é economista e professor da Unicamp, os que estão na escola são trabalhadores que estudam e não estudantes que trabalham. Apenas em 2009, aproximadamente 500 mil jovens abandonaram o ensino médio para complementar a renda de seus respectivos lares.

Em seu argumento, Pochmann ressalta que filhos de famílias ricas raramente começam a trabalhar efetivamente antes dos 25 anos de idade, depois de muito investimento e tempo dedicado à formação. "Enquanto isso, filhos de pais pobres são condenados a começar a trabalhar cedo, não conseguem evoluir em termos de formação e acabam ocupando postos de baixa qualificação e mau remunerados que compõem a base do mercado de trabalho", diz.

Ainda é muito cedo para saber se o professor Pochmann exagera em sua análise ou se ele está realmente muito à frente de seus pares, por estes não conseguirem enxergar as transformações pelas quais a sociedade está passando. De qualquer forma, suas ideias estarão bem salvas em algum canto para que eu possa checá-las no futuro.

Enquanto isso, seguem abaixo algumas de suas análises:

"No século 19 tínhamos uma sociedade agrária. Naquele momento quase tudo era trabalho. Há 100 anos as mulheres eram apenas máquinas de reprodução humana, essa era a sua função social. Homens e mulheres viviam 35 anos de idade, em média. Uma mulher que vivia até 35 anos poderia ter tido de 15 a 20 filhos. Era necessário ter muitos filhos porque se trabalhava na terra, a produtividade era muito baixa e precisava ter muita gente mexendo na terra. Viver era trabalhar na sociedade agrária. Começava-se a trabalhar aos cinco, seis anos de idade. Não tinha escola. Não tinha regulação do mercado de trabalho. Se trabalhava até morrer. Não tinha alternativa. Na sociedade agrária 75% da vida estava comprometida com o trabalho. Tudo isso foi superado pelo padrão da sociedade urbano industrial. Nesse velho padrão as pessoas viviam até 60 anos de idade, em média, começavam a trabalhar depois dos 15. Ingressam no mercado de trabalho e ficam 30, 35 anos na mesma ocupação. Concluída essa fase do trabalho, viviam mais uns 10 a 15 anos e encerravam o ciclo de vida. Essa sociedade permitiu que o trabalho significasse 40% do tempo de vida, sendo 60% restantes de inatividade para o trabalho formal".

"Ocorre que diferente da sociedade do século 19 e 20, a sociedade do século 21, que não têm um nome ainda, seja lá pós industrial, da informação, do conhecimento, é uma sociedade muito diferente. Agora as pessoas vão viver 100 anos de idade ou mais. Ora, alguém viver 100 anos muda completamente a trajetória de vida. Uma das principais funções da escola dos ricos, da elite é construir com as crianças, individualmente, seu projeto de vida. Nessa sociedade do conhecimento o principal ativo não é mais o trabalho material. O principal ativo é o trabalho imaterial. Numa sociedade agrária e urbano industrial, o que concentrava o trabalho era a agricultura, pecuária, indústria, construção civil. Esses trabalhos são tangíveis, eu posso contá-lo, ou seja, há um produto físico, há uma concretude no esforço do trabalho humano, manual ou intelectual. Na sociedade do conhecimento, o que domina é o trabalho imaterial. No Brasil de hoje 70% dos postos abertos são no setor terciário, de serviços. Na sociedade do conhecimento, por conta das novas formas de gestão do trabalho, das tecnologias, está se trabalhando cada vez mais fora do local de trabalho. Trabalha-se em casa, em todos os lugares, pelo celular, pela internet. O trabalho não é mais exercido no local fixo e não temos regulação. Estamos entrando numa sociedade que podemos ficar 24 horas plugados no trabalho. Este é um trabalho extenuante. O capitalismo não quer mais só o nosso coração, quer o nosso cérebro. Este trabalho fora de casa é um trabalho que gera produtividade, gera riqueza, uma riqueza que não está sendo disputada pelos sindicatos, não está sendo tributada pelos sistema tributário, ou seja, essa riqueza está gerando grandes ricos e está sendo muito concentrada. A repartição dessa produtividade imaterial nos permitiria construir uma outra sociedade. Por exemplo, na sociedade que se constitui não há razão técnica nenhuma para que a jornada de trabalho ultrapasse as 12 horas semanais. São três dias por semana, quatro horas por dia e pronto".

"Na sociedade do conhecimento não há justificativa técnica, não há razão alguma que as pessoas comecem a trabalhar antes dos 25 anos de idade. Não é a sociedade do conhecimento? O principal ativo não é a informação? Por que começar a trabalhar cedo? Por que começar a trabalhar antes de ter completado a universidade? Mas isso já existe no Brasil. Dificilmente vamos encontrar um filho de rico que tenha começado a trabalhar antes dos 25 anos de idade, depois de ter completado a universidade, ter feito MBA, ter estudado fora do país. Somente no Brasil os filhos de pobres estão condenados a trabalhar sempre. A gente quer dar trabalho para os filhos dos pobres, não quer educação. As ações de educação são todas voltadas para o mercado de trabalho. Os filhos dos pobres começam muito cedo a trabalhar. Por começar muito cedo, eles não estudam e vão ocupar os piores postos no mercado de trabalho brasileiro. Temos república no Brasil? Não temos república, nada. República significa a igualdade de oportunidades. E se há os que começam a trabalhar aos 15 anos de idade e outros só aos 25, não há igualdade de oportunidade. Os filhos dos ricos vão começar depois e ocupar os principais postos do mercado de trabalho, seja no setor público, seja no setor privado. O mercado de trabalho reproduz a desigualdade. Os filhos de pobres continuarão sendo pobres e os filhos dos ricos sendo ricos".

"Um jovem que trabalha e estuda está comprometendo 16 horas diárias, ou seja, não tem tempo pra estudar. Trabalhar e estudar não combina. É por isso que o Brasil avança na oferta de vagas e piora na qualidade de ensino. O padrão civilizatório superior exige educação para a vida toda. Na sociedade do conhecimento não dá para exercer uma profissão ao longo da vida sem estar estudando e isso significa um abandono profundo da sociedade passada".

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