
Em “Vale tudo – O som e a fúria de Tim Maia”, assim como em “Noites tropicais”, Nelson Motta desperta um bocado de inveja no leitor que gosta de música e se interessa pela cena cultural brasileira. Nos dois casos, sua narração é privilegiada pelo fato de ter sido personagem e testemunha de muitas das histórias narradas – e também por conseguir transmitir aos mais leigos por que Fulano é um grande arranjador, Sicrano é um exímio violonista e Beltrano deixa muito a desejar.
Tim Maia nunca soube ler música e só foi estudar alguma coisa de teoria nessa área depois de famoso. Apesar dessa limitação, seus ouvidos e gogó privilegiados eram capazes de transmitir aos músicos que o acompanhavam exatamente aquilo que queria como acompanhamento, seja em baladas românticas ou pegadas fortes de funk, soul e outros ritmos dançantes. E fazia bonito, de modo inventivo e ao mesmo tempo simples, na medida para o estilo “esquenta-sovaco/mela-cueca” que caracterizava grande parte de seus discos, segundo sua auto-definição.
Devido à leitura de outros livros, especialmente os dois principais escritos sobre Roberto Carlos (“Roberto Carlos em detalhes” e “Como dois e dois são cinco”), as informações básicas sobre a adolescência de Tim Maia (quando conviveu bastate com o Rei), os cinco anos vividos nos Estados Unidos e o complicado início de carreira no Brasil já não eram novidade, mas ganharam uma riqueza de informações essenciais para tentar entender a controversa personalidade do cantor. Vem desse período sua iniciação no chamado “triatlon” – noites regadas a maconha, cocaína e Chivas 12 anos –, hábito que o acompanharia em maior ou menor grau até as últimas semanas de vida. É na fase norte-americana também que Tim sofre algumas das mais fortes influências musicais de sua vida, ao ter contato com o som da Motown e de vários expoentes que estavam colocando a rapaziada dos guetos pra dançar nas grandes cidades dos EUA, da mesma forma como o Síndico viria a fazer em inúmeros bailes na zona norte carioca e em outras regiões carentes pelo Brasil afora.
A relação de Tim com as mulheres, com os credores, com as gravadoras, com os contratantes de shows, com os parentes, com os músicos e consigo mesmo é tensa, muito tensa. Mas a narrativa de Nelson Motta consegue intercalar essa tensão com incontáveis causos hilariantes, que fazem a leitura ser bem ágil, sem exigir nenhuma concentração ou silêncio. Bom pra se ler em qualquer canto, seja com “Sossego”, comendo “Chocolate” ou num “Dia de domingo”. “Vale tudo”.
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