Pular para o conteúdo principal

Os três primeiros filmes de Chaplin


É chover no molhado falar da genialidade de Charles Chaplin, mas pouca gente já teve a oportunidade de assistir a seus primeiros filmes. Em geral, a maior parte das pessoas pôde vê-lo em ação em clássicos como “Tempos Modernos”, “O Grande Ditador” ou “O Garoto”, no auge de sua popularidade e já com todas as condições necessárias (técnicas e financeiras) para elaborar obras sensacionais.

A curiosidade de assistir aos primeiros filmes surgiu durante a leitura de “Chaplin – Uma Biografia Definitiva”, de David Robinson. O livro acaba servindo como uma espécie de guia, que permite acompanhar, em ordem cronológica, a evolução do nome que até hoje ainda é o mais importante da história do cinema mundial.

Neste post, achei por bem reunir apenas os três primeiros curtas-metragens de sua carreira, todos realizados em 1914 e obviamente mudos, produzidos pela Keystone, nos quais Chaplin ainda se limitava a atuar – embora, segundo Robinson, já desse importantes pitacos que em certas ocasiões causavam incômodo a alguns diretores.

Há autores que dizem existir um filme anterior (“The Thief Cacther”) aos três aqui citados, no qual Chaplin aparece por alguns segundos. Como a obra de Robinson é a mais completa já feita a respeito, fico com a versão que ainda está em minha cabeceira.

No primeiro dos filmes, “Carlitos Repórter” (ou “The reporters”, no original), Chaplin interpreta o vilão da história. Já na primeira aparição diante das telas, a imprensa da época confirmou o que aqueles que já o tinham visto no teatro costumavam dizer: tratava-se de um gênio, de fato. Apesar dos elogios, o ator odiou o filme, segundo Robinson.

É a partir da segunda produção, “Corridas de Automóveis para Meninos”, que o mundo passa a conhecer o personagem que, pelos próximos 22 anos, iria se tornar tão conhecido quanto o próprio cinema: o vagabundo Carlitos. Robinson faz um relato bem interessante sobre a forma como Chaplin teria chegado ao famoso figurino (há mais de uma versão para essa história): “Diz a lenda que o costume foi inventado em uma tarde chuvosa no vestiário masculino comunal da Keystone, onde Chaplin toma emprestado as enormes calças do gordo Arbuckle, o minúsculo paletó de Charles Avery, os imensos sapatos tamanho 48 de Sterling (usados com os pés trocados para evitar que escapassem do pé), um chapéu-coco pequeno demais, pertencente ao sogro de Arbuckle, e um bigode que ia ser usado por Mack Swain, que Chaplin diminuiu ao tamanho das cerdas de uma escova de dentes”.

No terceiro filme, “Carlitos no hotel”, Chaplin tem a oportunidade de interpretar novamente o vagabundo, a partir de um tema que se tornaria padrão em comédias durante muito tempo: as confusões e trocas de quarto em pequenos hotéis. Já durante as filmagens, o ator tinha a convicção de que os trejeitos inventados para o personagem estavam dando certo: “Chaplin se recordava com satisfação de como o resto dos artistas e dos técnicos da Keystone se reuniram em volta para assistir aos ensaios de cena e o tranquilizaram com as risadas”, escreve Robinson.

Seguem abaixo os links para cada um dos três filmes, felizmente disponíveis para esta e as próximas gerações no YouTube. Vê-los não significa uma garantia de boas risadas. Creio que é preciso encará-los como registros históricos, valiosas para o legado deixado por Chaplin e também para tentar entendermos como o cinema era feito naqueles tempos. Exigir mais do que isso pode se tornar decepcionante.

Como o próprio Robinson disse, em entrevista a André Barcinski (leia aqui), ver filmes mudos, especialmente comédias, em uma tela pequena, no conforto de casa e sem nenhuma companhia ao redor, torna a experiência menos interessante. “A tela pequena e a tela grande oferecem experiências diferentes. Acredito que filmes menores ou dramas íntimos podem funcionar bem ou até melhor na tela pequena, mas eu acho até grotesca a idéia de assistir a filmes grandes, espetaculares ou de ação, numa tela pequena.
Certamente, os filmes mudos – repletos de emoção, seja humor ou sentimento – foram feitos para o cinema, e as comédias, em especial, funcionam melhor com uma platéia grande. Especialmente no caso de Chaplin. Mesmo um de seus filmes sonoros, “Luzes da Ribalta”, pode parecer péssimo numa tela de TV, enquanto no teatro, com a reação de uma platéia grande, que é como os filmes foram originalmente concebidos, é uma obra-prima”.

De qualquer forma, bom divertimento:

Carlitos Repórter: http://www.youtube.com/watch?v=QmuonvmQFvg

Corridas de Automóveis para para Meninos: http://www.youtube.com/watch?v=OwPK94z7OCs

Carlitos no Hotel: http://www.youtube.com/watch?v=Sy_SVVXT0Ks

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Os compatriotas de Woody Allen

Estava em algum site por aí hoje: O diretor americano Woody Allen considera que a maioria de seus compatriotas são gordos e sexualmente complexados. "Tudo ali é expressão do medo e da repressão sexual: a loucura religiosa, o fanatismo pelas armas, a extrema-direita louca. Eles têm uma visão da sexualidade marcada por duvidosas leis morais", afirma Allen, em entrevista antecipada hoje pelo jornal "Die Zeit". O diretor de "Vicky Cristina Barcelona" considera que o sexo é utilizado nos Estados Unidos "como uma arma dramática, assim como a violência" e que as muitas cenas de sexo nos filmes produzidos em seu país são "simplesmente entediantes".

"Vesti azul.... minha sorte então mudou"

A primeira vez que ouvi falar em Wilson Simonal foi no colégio - se não me engano, numa aula da Tia Idair, na quarta série. Por algum motivo, ela havia citado "Meu limão, meu limoeiro" e ninguém da classe sabia do que se tratava. Estupefata, ela cantarolou "... uma vez skindô lelê, outra vez skindô lalá" e tentou fazer algo no estilo que o "rei da pilantragem" costumamava aprontar com suas plateias . E deu certo. Dia desses fui ver "Simonal - Ninguém sabe o duro que eu dei", documentário muito bem feito sobre a carreira do sensacional cantor, com ênfase, claro, na eterna dúvida que o cercou desde os anos 70 até sua morte, em 2000: Simonal foi um dedo-duro dos militares durante a ditadura ou não? Pra quem não sabe do que se trata, um resumo curto e grosso: Simonal competia com Robertão na virada dos 60 para os 70 como o cantor mais popular do Brasil. Um belo dia, seu nome aparece nos jornais como delator de companheiros de profissão, alguém a serv

A grandeza de Nelson Ned

Um belo dia, em um programa de televisão (“Conexão Internacional”, da extinta Rede Manchete), Chico Buarque enviou uma pergunta para Gabriel García Márquez: “As suas preferências musicais causam espanto em muita gente, principalmente aqui no Brasil. Eu queria saber se os seus romances fossem música, seriam samba, tango, som cubano ou um bolero vagabundo mesmo?”. Com elegância e sem vergonha de suas preferências, o escritor colombiano respondeu: “Eu gostaria que fossem um bolero composto por você e cantado pelo Nelson Ned”. Pela terceira vez (haverá ainda um quarto texto), recorro a “Eu não sou cachorro, não”, livro de Paulo César Araújo para relatar causos de nossa cultura popular. Pouco antes da resposta de Gabo a Chico, fico sabendo ainda que o Nobel de Literatura escreveu “Crônica de uma morte anunciada” ao som de canções como “Tudo passará”, do grande pequeno cantor brasileiro, cuja obra em geral é relegada aos rótulos de “cafona” e “brega” de nossa discografia. Nelson Ned é figura