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Faltava Roland Garros


E eis que Maria Sharapova alcançou algo que já havia sido feito por apenas cinco outras tenistas na história do esporte: ganhar os quatro torneios Grand Slam (Abertos da Austrália e dos EUA, Wimbledon e Roland Garros).

Ao derrotar a italiana Sara Errani em Paris, Sharapova completa o ciclo dos quatro maiores torneios do tênis aos 25 anos, sete anos depois de assombrar o mundo ao vencer Wimbledon, antes de completar a maioridade.

Na chamada Era Aberta do tênis, apenas Billie Jean King, Chris Evert, Martina Navratilova, Steffi Graf e Serena Williams já haviam vencido os quatro torneios. No entanto, o que torna ainda mais especial a conquista deste sábado (9) é pensar nos perrengues pelos quais a tenista russa passou nos últimos anos. Como bem definiu o blogueiro Alexandre Cossenza, trata-se de um roteiro pronto para Hollywood. Segue abaixo o que o jornalista escreveu antes da final:

Feito para Hollywood

Maria Sharapova não ganhou um Grand Slam nas últimas 52 semanas. Ainda. Pode ser que ela seja campeã de Roland Garros daqui a dois dias. Talvez não. Tanto faz. Mesmo sem um Major contando no ranking, a bela russa será número 1 do mundo mais uma vez. E, Slam ou não, o retorno de dona Maria ao topo do tênis é um dos feitos mais comoventes da história. É um dos contos mais made-for-Hollywood do esporte. Se você não se emocionou nesta quinta-feira ou se preocupou demais com os gritos e gemidos de Sharapova, problema seu. É preciso reconhecer o que significa esta volta.

Uma menina que conquistou seu primeiro Slam aos 17. Aos 20, já tinha sido número 1 do mundo, vencido três dos quatro maiores torneios do circuito e eleita atleta mais bonita do planeta por quatro anos seguidos (pela revista “Maxim”). Tinha patrocinadores e dinheiro suficientes para comprar um imóvel em cada país, da Sibéria até Los Angeles. Dezoito, 36, 54 territórios à sua escolha. Virou videogame, fez comercial de carro, fotografou e foi fotografada em campanhas publicitárias.

A história de Maria Sharapova, que começou com uma viagem da Sibéria até a Flórida e um pai que trabalhava onde podia para sustentar o sonho da filha (sem falar inglês!), era um conto de fadas. A mocinha tinha conquistado tudo. Até que uma maçã-envenenada-na-forma-de-lesão-no-ombro mudou o curso da história. Vieram, em sequência, as dores, um diagnóstico errado e uma cirurgia. Todo roteiro tem o momento de queda do herói. O espectador já não tem mais certeza se a história terá um final feliz.

Sharapova ficou fora das Olimpíadas de Pequim, do US Open, do Australian Open. Deixou o top 100. A estrada de tijolos amarelos seria mais longa do que o previsto. Para cada boa atuação, a russa tinha jogos com oito, dez, 15 duplas faltas. Um dos melhores saques da WTA havia perdido seu poder de intimidação. Ainda assim, a mocinha ganhava partidas. Sempre teve devoluções incríveis, sempre possuiu força de vontade acima da média. Muito acima.

Chego, enfim, à parte comovente da história – aquele trecho do filme em que o diretor corta para a mocinha, vivendo em seu palácio, com todos bens materiais que sempre desejou, mas vivendo uma vida vazia (um diretor da série Crepúsculo filmaria isso com a câmera girando incessantemente em volta da atriz). Na história da vida real, Sharapova tinha conquistado tudo. Poderia ter se aposentado do circuito, deixado os sacrifícios físicos e psicológicos no passado. Viveria como uma celebridade. Como Anna Kournikova (que, insisto, não foi má tenista como tantos insistem em dizer, mas não é tema para debate aqui). Nada de errado nisso.

Seria muito pouco Sharapova. Ela precisava voltar a vencer. É o que ela gosta e sabe fazer. Se não é sorridente ou não demonstra o que sente durante os jogos, é porque é viciada, obcecada por vitórias. Os sorrisos e beijinhos só vêm no fim porque a moça não se dá por satisfeita até fechar o jogo. Ela precisa vencer sempre. E é por isso que ela merece este final feliz. Que não veio em Melbourne só para esticar, dar alguns episódios a mais. A audiência era boa,  o estúdio decidiu adiar o “season finale”. Só para que a heroína, a “vaca no gelo” de outros tempos, vivesse o final feliz no cenário mais improvável. Tente você, leitor, escrever história mais comovente que esta.

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