Pular para o conteúdo principal

E quando tiver que escolher a escolinha?

Amigos noivando. Amigos casando. Amigos morando juntos. Amigos tendo filhos. Amigos gastando com fraldas. Amigos comemorando aniversários de seus filhos. Filhos de amigos crescendo.

Esse cenário atualmente é real. Há alguns anos, era completamente improvável em minha vida. Hoje, vejo de forma diferente, mas alguns temores ainda permanecem. O maior deles está no título deste post.

Há alguns anos, quando o filho de um amigo bem chegado estava com uns quatro anos, ele me relatou algo à primeira vista engraçado, mas cuja verdade não tem graça nenhuma. Durante a festa junina da escolinha, tocava em alto e bom som uma música cujo refrão é “Beber, cair, levantar”. Pior do que isso: a maioria das crianças cantava junto, estimulada pelos professores.

Há menos tempo, outra amiga, professora de um colégio bem caro (coisa de quase R$ 1.500 por mês), me descrevia o nível lamentável de suas colegas, responsáveis pela educação de crianças de quatro a seis anos. Profissionais completamente alienadas, sem qualquer tipo de preocupação além de cuidar de casa, fazer um trabalho protocolar, ir embora, passar no shopping e ver a novela antes de dormir. Gente que ensina português e precisa de ajuda para escrever corretamente “exceção”. Gente que tenta formar "novos cidadãos", mas que, segundo minha amiga, critica políticos como José Sarney (OK, isso é esporte nacional), mas é incapaz de relatar um único “desvio de conduta” realizado pelo bigodudo.

Que fique claro: qualquer cidadão pode tocar sua vida como bem quiser, mas ao optar pela carreira docente é preciso dar o chamado “plus a mais” a si mesmo. Nessa mesma toada, há muito, mas MUITO tempo, fico desolado quando vejo papais e mamães felizes e orgulhosos porque seus rebentos — matriculados em escolinhas particulares de qualidade duvidosa — “já” são capazes de ler e escrever, aos seis ou sete anos de idade.

O cenário é, sim, desolador. Escolas públicas de uma cidade grande como São Paulo pagam salários de fome a seus professores e, com raras exceções, formam pré-adolescentes que mal conseguem entender um texto mais sério de jornal — e olha que a qualidade desses textos anda bem ruinzinha.

Aí, medrosos como sempre e com medo de ver seus filhos se juntarem à “gentalha”, ricos, não tão ricos, medianos, remediados e quase pobres colocam em massa seus pimpolhos em escolas particulares, ao invés de agir na direção contrária, no sentido de melhorar a qualidade das escolas públicas existentes.

O resultado, em nível nacional, pode ser visto na pesquisa divulgada pelo Ministério da Educação nesta semana: “Rede privada estaciona na média do Ideb”. Enquanto o nível das escolas públicas teve uma tímida melhora, nas particulares parece ter havido um certo acomodamento, já que a demanda há tempos não para de crescer.

O “medo” que motivou este texto é o fato de que o nível da maioria das escolas particulares também é sofrível. Em termos de qualidade, não há nada de tão diferente entre uma escola pública mediana (são raras, mas existem) e uma escolinha infantil que cobre 300 reais por mês. Em ambas a estrutura é ruim, os salários dos professores são péssimos e o que se ensina é desanimador.

Sempre que o governo divulga pesquisas como essa, é comum ver na imprensa a opinião de duzentos mil especialistas explicando os motivos da tragédia da educação no Brasil, mas são poucos os que se referem a outro problema, muito mais importante: os pais. Ocupados, estressados, devendo pro banco, com problemas na família, preocupados com o jogo do Corinthians e em marcar a manicure pro sábado, grande parte deles não percebe que a responsabilidade maior da educação de seus filhos lhes pertence.

Enfim... amigos vão noivando. Amigos vão casando. Amigos vão morando juntos. Amigos vão tendo filhos. Amigos vão gastando com fraldas. Amigos vão comemorando aniversários de seus filhos. Filhos de amigos vão crescendo... e quando tiver que escolher a escolinha? Vou agir diferente?

Comentários

Anônimo disse…
Triste e com certeza muito realista este texto. Achei mto bom!! Bjs, Anne

Postagens mais visitadas deste blog

Bismarck, unificação e as consequências da industrialização alemã

É impossível afirmar que um evento com a magnitude da Primeira Guerra Mundial tenha ocorrido por conta de um fenômeno isolado – são vários os elementos envolvidos. No entanto, para muitos historiadores e analistas, o papel geopolítico desempenhado pela Alemanha no final do século 19 foi um fator preponderante para o início do conflito. Este trabalho pretende analisar, pelo viés do desenvolvimento econômico da Alemanha, de que maneira um país unificado somente em 1871 pôde se transformar, em pouco mais de quatro décadas, em uma nação de primeira grandeza – a ponto de ser um dos protagonistas da Primeira Guerra. Que elementos – externos e internos – contribuíram para essa ascensão? Até que ponto é correto responsabilizar os alemães pelo estopim do conflito que viria a tirar as vidas de 19 milhões de pessoas? De 1789 a 1848 – anos cercados por revoluções Uma geração inteira, tanto na França quanto nos estados germânicos, cresceu sob o impacto direto das consequências da Revolução Francesa...

O dilema dos EUA: resgatar o passado ou construir um novo futuro?

RESENHA DE "ESTAS VERDADES", DE JILL LEPORE Barack Obama foi eleito presidente dos Estados Unidos, em 2008, utilizando-se de um slogan que ganhou fama mundial: “Change”. Nem durante a campanha eleitoral e tampouco no decorrer de seus dois mandatos foi possível entender com clareza qual seria essa mudança. Em 2016, Donald Trump conseguiu ser muito mais explícito ao prometer que tornaria a América grandiosa novamente. O empresário e apresentador de TV optou pelo resgate de valores do passado estadunidense para atingir em cheio ― e com sucesso ― o cidadão insatisfeito com o presente incerto deste início de século 21. Após oito anos de ações abstratas do governo Obama, seu sucessor não se furtou em propor uma série de políticas xenófobas, segregacionistas e protecionistas para chegar à Casa Branca.   Desde o primeiro dia de seu mandato, pairaram sobre Trump nuvens de ameaças à democracia dos Estados Unidos. Seu desastroso adeus ― marcado pela tentativa de autogolpe em 6 de janeir...

A grandeza de Nelson Ned

Um belo dia, em um programa de televisão (“Conexão Internacional”, da extinta Rede Manchete), Chico Buarque enviou uma pergunta para Gabriel García Márquez: “As suas preferências musicais causam espanto em muita gente, principalmente aqui no Brasil. Eu queria saber se os seus romances fossem música, seriam samba, tango, som cubano ou um bolero vagabundo mesmo?”. Com elegância e sem vergonha de suas preferências, o escritor colombiano respondeu: “Eu gostaria que fossem um bolero composto por você e cantado pelo Nelson Ned”. Pela terceira vez (haverá ainda um quarto texto), recorro a “Eu não sou cachorro, não”, livro de Paulo César Araújo para relatar causos de nossa cultura popular. Pouco antes da resposta de Gabo a Chico, fico sabendo ainda que o Nobel de Literatura escreveu “Crônica de uma morte anunciada” ao som de canções como “Tudo passará”, do grande pequeno cantor brasileiro, cuja obra em geral é relegada aos rótulos de “cafona” e “brega” de nossa discografia. Nelson Ned é figura...