Apesar de a
Europa se encontrar dividida em termos políticos, sociais e religiosos em
meados do século 16, a Monarquia de grande parte das nações do continente viu
seu poder ser ampliado durante esse período. John H. Elliot, no segundo
capítulo de seu livro “A Europa Dividida 1559-1598”, deixa de lado quaisquer
fatores de ordem militar para explicar esse fortalecimento das famílias reais,
concentrando-se em dois pontos bastante específicos daquela conjuntura: a
ênfase que é dada para a organização administrativa e o maior controle exercido
sobre a religião.
Segundo o
autor, o poder monárquico no século 16 vai ganhando maior autoridade na medida
em que os procedimentos burocráticos e administrativos foram ampliados e
praticados a partir de uma mentalidade profissional. “O século dezesseis foi a primeira grande
época do governo através de papeis”, afirma Elliott (p. 58), destacando que
cada vez mais os documentos e assuntos governamentais passavam a ser
registrados em “arquivos cuidadosamente organizados por um exército cada vez
mais extenso de funcionários”. Nesse aspecto, o autor cita a Espanha como a
“monarquia governamental mais elaborada” da época, por conta da vastidão de seu
território e das implicações que essa característica resultava.
Nesse
cenário, a primeira metade do século 16 acabou se tornando um período de fortalecimento
da autoridade das monarquias europeias. Ao fazerem uso de burocratas
profissionais advindos de setores da nobreza, os monarcas obtiveram um forte
apoio dessa parcela da sociedade, especialmente perante a igreja e a
aristocracia. A eficiência desse corpo de funcionários diretamente ligados ao
rei acentuou essa característica e forneceu algumas das condições necessárias
para a construção de governos absolutistas. Por outro lado, membros da classe
governante tradicional reforçaram o coro dos insatisfeitos, ao verem cidadãos
de condições “inferiores” com maior influência sobre os monarcas.
Essa
satisfação leva o autor a explicar um detalhe importante da sociedade europeia
daquele período: num ambiente em que o indivíduo tinha um papel secundário em
relação à família, no qual um título ou uma posição eram fundamentais para se
obter uma vida exitosa, o funcionário diretamente ligado ao monarca via sua
posição como um meio de promoção social, um fator capaz de “colocar sua família
entre as grandes casas do país” (p. 61).
Diante dessa
composição social, alguns cargos acabaram por se tornar patrimônios familiares,
transmitidos de pai para filho, geração após geração, criando verdadeiras
dinastias regulares de funcionários. Tais cargos muitas vezes eram vendidos ou
colocados em negociações. Na França, segundo o autor, nos últimos anos do
século 16 a administração passou da Coroa para “uma casta de detentores de
cargos”, que se via como uma “corporação privilegiada no corpo político” (p.
62), que avaliava seus cargos como algo valioso, tal qual um bem pertencente à própria
família.
Como
consequência dessa relação, cada nação acabou por criar um tipo rede bastante
complexa e próxima a cada soberano. A chamada “clientela” se estabeleceu ainda
em meados do século 16, criando um verdadeiro sistema de relações baseado no
favor, na lealdade, no interesse e, sobretudo, no patrocínio de inúmeras
causas.
O poder sobre a religião
Uma vez
estabelecido esse nível de profissionalismo organizacional, era necessário às
monarquias encontrar uma solução para o problema de finanças que abatia a maior
parte dos reinos em meados do século 16. Apesar do descontentamento das
lideranças religiosas pela perda do poder governamental que outrora lhes era
garantido, foi nesse setor da sociedade que os monarcas encontraram o respiro
financeiro que os salvaria.
Campanhas
protestantes resultaram, a partir da década de 1560, em uma verdadeira campanha
de dissidência religiosa em muitos Estados. Como vem lembra Elliott, “a
religião era universalmente considerada como a base de uma sociedade bem
organizada e a preservação da unidade religiosa era tida como essencial para a
sobrevivência do próprio Estado”(p. 69). Ao ver em risco a estabilidade que a
fé assegurava, os monarcas souberam como administrar a situação e acabaram conseguindo
retomar seu controle e afastar maiores riscos de perda de poder.
A importância da unidade nacional
Em
determinado momento, a unidade religiosa já havia sido riscada do mapa por
conta da dissidência entre católicos e protestantes. Cabia aos monarcas
trabalhar para que a unidade dos Estados não fosse para o mesmo caminho, a
partir de um raciocínio que se tornaria popular por meio da expressão surgida
na França: “Um rei, uma lei, uma fé”. No entanto, a polarização vista em
diversos territórios, o clima de caça as bruxas da Inquisição e as guerras
religiosas eram sinais evidentes de que os príncipes deveriam agir logo, pois
de ambos os lados havia radicais o suficiente.
Como bem
destaca o autor do texto, “havia muito boas razões, para além da convicção
religiosa, para ser calvinista nesses anos” (p. 72). A adesão de parte da
aristocracia da época ao protestantismo acabou por tornar ainda mais delicada a
situação para os monarcas. Se antes esses grupos já se opunham ao governo por
motivos diversos, ao se converterem a uma religião diferente da oficial
acabou-se criando “uma transformação radical do equilíbrio do poder político no
Estado”, segundo Elliot.
Não houve
apenas um modo uniforme de atuação dos monarcas diante desse quadro. Felipe II,
por exemplo, adotou uma forte política de repressão. Outros líderes optaram
pela tolerância ou por atitudes conciliadoras. Como bem diz o autor, ainda no
começo do capítulo analisado, “o bom governante do século 16 foi aquele que
utilizou as reservas de patrocínio e poder para arbitrar as perenes rivalidades
das facções em confronto, ao mesmo tempo em que explorava os seus sistemas de clientela
para satisfazer as necessidades da Coroa”(p57). Elizabeth agiu assim e, não por
acaso, permaneceu no trono por 45 anos (de 1558 a 1603, quando morreu). Quem
soube utilizar suas reservas no momento certo, como Felipe II, também viveu o
bastante para ter seu nome entre os grandes monarcas da Idade Moderna.
Comentários