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"Treme" e uma visão de New Orleans após o Katrina

O papo agora é sobre séries. Com “House”, “Californication” e “Dexter” em recesso, tive a sorte de ver cair em minhas mãos (thanks, Namorada!) a primeira temporada de “Treme”. Admito que nunca ouvira falar da dita-cuja e demorei uns dias para resolver assisti-la (sempre dá uma certa preguiça...). Valeu bem a pena!

A primeira temporada tem apenas dez episódios. Leio por aí que a segunda temporada já se encerrou e que há uma terceira já planejada pela HBO. A série é um drama que se passa em New Orleans, três meses depois da passagem do Katrina, em 2005. “Treme” é um bairro local, famoso pela música de primeira qualidade. Sua trama é concentrada em dez personagens da cidade, na forma como eles foram afetados pelo furacão e no modo como todos estão tentando tocar (ou reconstruir) suas vidas após a catástrofe.

“Treme” tem um formato quase novelesco, um tanto quanto diferente de outras séries que acompanho ou já assisti. Seu teor político é fortíssimo, concentrado em alguns dos protagonistas e na forma como eles lutam contra o sistema ora corrupto, ora míope que domina a cidade. Como nos bons “multiplots” cinematográficos, as trajetórias de cada personagem vez por outra se cruzam durante os episódios (a cena do mardi gras, a chamada Terça Gorda de Carnaval, é boa demais!). E também tem a música, que merece ao menos um parágrafo...

Falar da música em New Orleans é chover no molhado, mas em “Treme” ela tem uma importância fundamental. O ritmo da série e a construção das personagens é um tanto lento, sem atropelos, mas ao mesmo tempo é ditado pela importância da música para a cidade. Cinco de seus protagonistas são músicos, cada qual com uma realidade diferente e com um tipo de ligação sobre o que o Katrina trouxe para a região. Independentemente de sua importância para a trama, o jazz e o blues tocados à exaustão em todos os episódios já garantem diversão de alta qualidade, tanto para iniciados quanto para curiosos.

“Treme” é um entretenimento pretensioso, em consonância a um artigo bacana publicado pelo “Le Monde” no mês passado, em que se fala do surgimento de uma “oitava arte” nas telas de TV. Exageros à parte, fica a dica e a torcida para que a segunda temporada continue num nível que faça jus a esse debate.

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