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A impotência do gênio

Tostão, em sua coluna deste domingo, fala praticamente tudo o que penso sobre Messi. Entre suas frases certeiras, diz que "só podemos definir a importância de um grande craque no final de sua carreira" e que o argentino, por sua personalidade serena, nunca "será um bom personagem para os biógrafos".

O ex-craque só comete um erro em seu texto, ao dizer que Messi nunca fará um gol de mão. Um pequeno texto aqui em "Já reparou?", há quatro anos, relembra esse fato.

Abaixo o texto:

A impotência do gênio

Quase no fim do jogo, no empate por 0 a 0 entre Argentina e Colômbia, torcedores começaram a gritar o nome de Maradona. Como a maioria não deve ter saudades do confuso técnico, deduzo que parte dos gritos era para cutucar Messi e dizer que ele nunca será um Maradona.

As câmeras de televisão mostraram, em detalhes, Messi profundamente abatido, encobrindo o rosto com as mãos, impotente. Parecia querer chorar e pedir perdão aos torcedores.

Se Lavezzi tivesse feito o gol no primeiro tempo, quando Messi o deixou livre na frente do goleiro, a história do jogo e o tema de minha coluna poderiam ser outros.

Mesmo se jogar bem nos próximos jogos, fizer um gol espetacular e decisivo, na Copa América e no próximo Mundial, Messi nunca será, na seleção argentina, com regularidade, o supercraque que é no Barcelona.

Por ter ido menino para a Espanha, não ter brilhado em um time argentino, ter a cara e o jeito de homem tímido, sereno, sério, sem pose de estrela e sem atração pelos dramas da vida, Messi nunca será um mito, como Maradona. É um ídolo. Não será também um bom personagem para os biógrafos.

Carlos Bilardo, técnico campeão do mundo em 1986, quando Maradona fez o mais belo gol de todas as Copas, disse que o problema de Messi é ser muito humilde. Nelson Rodrigues, com seu delicioso exagero, repetiu umas mil vezes que a maior qualidade de Pelé era a imodéstia absoluta.

Messi não possui também a esperteza, a agressividade nem a ingenuidade de alguns grandes craques. Provavelmente, nunca vai tentar enganar o árbitro e fazer um gol com a mão, como Maradona, dar uma cotovelada em um rival que não lhe dá sossego, como Pelé, nem dizer que a Copa do Mundo é uma copinha de seis jogos, como Garrincha.

Só podemos definir a importância de um grande craque no final de sua carreira. Todos eles têm péssimos momentos. Maradona nunca foi campeão de uma Copa América, embora tenha disputado três edições.

Como a alma tem muitos mistérios, Messi poderá ainda nos surpreender, dentro e fora de campo. Quem sabe um dia vai pintar o cabelo de azul e branco, aprender a cantar o hino nacional argentino, até de trás para frente, e passar a dar trombadas e correr atrás de bolas perdidas. O torcedor iria gostar. Talvez falte a Messi, para se tornar um mito, e não apenas um ídolo, um pouco de loucura, de exibicionismo e de fanfarronice. Messi joga e vive no silêncio. É seu jeito. Cada um tem o seu.

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