Quem tem seus 30 e poucos anos e se interessa por política e economia internacional cresceu ouvindo a ladainha de que o Chile deveria ser um exemplo para o Brasil. Seu sistema educacional, sua “modernidade” e seu modelo de previdência eram a toda hora comparados com o nosso. OK, não temos muitos motivos para nos orgulhar nessas áreas, mas o tempo demonstrou que nem de brincadeira deveríamos seguir qualquer cartilha chilena.
As recentes manifestações ocorridas no Chile corroboram a ideia de que seu modelo fracassou. Grande parte do receituário chileno foi imposto durante a ditadura de Pinochet, período no qual o país serviu de cobaia para as experiências neoliberais que depois seriam acolhidas por toda América Latina.
Os exemplos da previdência privada e da educação superior no Chile são emblemáticos. A partir de 1981, o governo abandonou o sistema tradicional de previdência e entregou-o a fundos privados. A proposta foi tão radical que nem mesmo Ronald Reagan e Margaret Thatcher ousaram fazer algo parecido em seus países.
Depois de três décadas, o regime privado cobre somente 55% dos trabalhadores do mercado formal e assegura uma reposição média de 30% a 40% do último salário. Nesse período, as instituições financeiras privadas responsáveis pela gestão dos fundos tiveram lucros fantásticos, em um regime próximo ao de um oligopólio. Sem concorrência e com tranquilidade, passaram a cobrar taxas exorbitantes de administração, com resultados contábeis pífios.
Até a administração Bachelet, nenhum tipo de regulamentação foi realmente implementada. Agora, em meio ao governo de Sebastián Piñera, a gravidade desse cenário vem tomando novas proporções. Aumenta a cada ano o número de aposentados praticamente desassistidos no país. Na contramão do continente e do anseio de sua população, o presidente acena com novas rodadas de privatizações, o que tem levado muitos trabalhadores às ruas, assim como os estudantes secundaristas e universitários.
Educação
Na América do Sul, o Brasil é dos poucos países que (ainda) mantém universidades públicas, gratuitas e, na média, de qualidade superior às privadas. No Chile, desde os tempos de Pinochet elas passaram a ser pagas. Atualmente, nem a classe média tem conseguido dar conta pagar em dia os carnês.
O governo tem sinalizado a ampliação do número de bolsas de estudo para as universidades, mas a quantidade é muito inferior à demanda. O presidente tem repetido que as instituições só se mantêm com qualidade por serem privadas. Diz também que não pretende reestatizá-las de forma alguma, criando um impasse que ainda vai levar certo tempo para ser resolvido.
Em média, as mensalidades das universidades chilenas custam entre US$ 400 e US$ 800. Cerca de 80 mil estudantes recebem bolsas – o governo pretende aumentar em 50% esse número, além de estudar como tem funcionado no Brasil o ProUni.
O lucro das instituições educacionais chilenas obviamente não é um crime, mas deveria ser no mínimo motivo de vergonha para o governo do país. O Brasil desde os anos 90 é assediado por grupos semelhantes (em especial japoneses e norte-americanos interessados na imensa quantidade de brasileiros que não conseguem ir para qualquer universidade), mas por enquanto somente os DiGênio da vida dão as cartas por aqui, com suas Unips, Universos e Estácios da vida. De qualquer forma, é sempre bom mantermos os olhos abertos e dar tempo ao tempo antes de aceitar como exemplares modelos duvidosos...
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