Em tempos nos quais o governador do Rio de Janeiro cria um código de conduta para se colocar na linha, sinto-me na liberdade de digitar uns milhares de caracteres com a pretensão (quanta ingenuidade!) de pôr alguns freios nos dedos inconsequentes que se espalham pela internet afora.
Ruy Castro comentou esta semana que só com a popularização da internet Chico Buarque foi perceber que está longe de ser uma unanimidade, por conta dos comentários feitos nas redes sociais e nos rodapés de algumas reportagens a seu respeito. É claro que Chico fala isso em tom jocoso; da mesma forma, qualquer um que já discutiu música, política ou literatura nos botecos da vida sabe que o estilo do “feioso” está longe de agradar a todos – em algumas rodinhas eu diria que seus fãs já se tornaram minoria, mas isso é prosa pra outro texto.
O que me chama a atenção nos que dizem “odiar o filho da puta e idiota do Chico”, nos que querem que “Chávez tenha câncer até na cabeça do pinto” ou naqueles que festejaram a morte de Paulo Renato como um título da Libertadores é a completa falta de sintonia de seus comentários, independentemente dos tons ofensivos. Isso, em geral, é visto nos sites noticiosos, na área de comentários. Em um nível abaixo na escala de falta de bom senso, vê-se algo muito semelhante no Orkut, no Twitter e principalmente no Facebook.
O Facebook demonstrou na prática ser mais interessante do que o Orkut, mas em um ponto ele perde: na criação de comunidades. Se você gosta de sexo tântrico, maconha, gamão, novelas, praias de nudismo ou comida tailandesa, certamente irá encontrar um canto mais agradável pra conversar sobre esses temas no Orkut, somente com pessoas que respeitam seu ponto de vista, se interessam pelo assunto e se dispõem a seguir certas regras de conduta para não ser convidado a se retirar. No Facebook, qualquer manifestação chega aos olhos de todos aqueles com quem há “amizade” – e aí muitas vezes a situação se torna chata.
Faça um teste: abra seu Facebook e veja quantas pessoas na sua lista são realmente próximas. Você já tomou uma cerveja com quantos ali? Já foi à casa de quantos? Com quantos você se sentiria à vontade para tirar um sarro depois de um jogo de futebol? De quantos você discordaria sem pudores de um posicionamento político? Você ouviria reprimendas de quantos após demonstrar o que realmente pensa sobre homossexuais, negros e nordestinos?
Mesmo depois de pensar nesses vários “quantos”, não defendo que você deixe de se manifestar quando bem entender. Mas faça isso no seu próprio canto, com amigos que pensem da mesma forma. Se você vai pela primeira vez à casa de uma fã enlouquecida dos Engenheiros do Havaí, diz o bom senso que não se deve enxovalhá-la e dizer que seu vocalista é um bosta – faça isso com sua turma ou somente depois que já houver um mínimo de intimidade com a moça.
Na internet é a mesma coisa. Se meu “amigo” Zé da Silva festeja a vitória do Kassab pra Prefeitura de São Paulo, eu vou lamentar profundamente, mas por que razão eu devo me meter nisso? A não ser que eu seja chamado a opinar, entendo que o bom senso me dá o direito de ler, discordar e ficar quieto, enquanto o camarada Zé da Silva e todos aqueles que concordarem com seu ponto de vista comemoram o resultado da eleição.
Nas mensagens futebolísticas-culturais isso fica mais evidente, embora os embates não sejam tão sérios quanto os de cunho eleitoral. O São Paulo levou cinco do Corinthians? Paciência... Não sabe se controlar e faz questão de responder a cada exaltado da sua lista? Fique longe da internet...
A regra básica do código de conduta é: se você não foi chamado para a conversa, não se manifeste, a não ser que haja um mínimo de intimidade e afinidade com o autor da mensagem ou de algum comentário específico. Se ficou na dúvida se deve escrever algo ou não, fique quieto. Se aquilo que leu é uma idiotice completa, que chega a lhe ofender, exclua o indivíduo de sua lista.
Pense em alguns “campeões de audiência” da internet que rolaram neste ano. Sua colega do curso de inglês deve ter adorado A Banda Mais Bonita da Cidade, a propaganda da Vivo com “Eduardo e Mônica” ou então o vídeo do menino gritando “que dó”. Ela não quer ouvir de alguém que só foi adicionado por conveniência críticas pesadas a suas preferências musicais, a seu senso estético ou coisa que o valha. Em pouco tempo alguém que pensa parecido contigo irá postar uma mensagem achincalhando algum desses vídeos – e aí então você poderá destilar todo o veneno que transborda de suas impressões digitais.
A internet muitas vezes acaba por forjar uma intimidade que não existe entre as pessoas. Fazendo uma conta rápida, tenho só uns quatro ou cinco amigos corintianos a quem eu dedico um “chupa” a cada gol levado pelo Timão (e de quem eu espero uma provocação quando o Tricolor perde); talvez uns 20 saibam o que realmente penso, sem qualquer rodeio, sobre religiões, política, música, cinema, literatura. Entre esse seleto grupo, vale ironia, vale sarro mais pesado, vale um bullying virtual que se resolve em alguma mesa de bar num futuro próximo. Com os demais, não.
Alguns exemplos práticos: meu camarada André Toso diz que Messi é melhor do que Pelé, em tom sério. Sinto-me à vontade para mandá-lo cagar a cada vez que ele escreve isso no Facebook, mas não acontece o mesmo quando vejo o também camarada Lucas Nobile dar a mesma opinião. Apesar de ser amigo dos dois, existem níveis de proximidade diferentes, que permitem reações proporcionais. Depois de ver e até participar de umas discussões bobas, o negócio é tentar fazer valer o bom senso.
Outro: dia desses, numa mesa de bar, por conta do aniversário de uma amiga, um dos convidados ouviu alguém mencionar os nomes de Marisa Monte, Maria Bethânia e outras cantoras apreciadas pelos presentes. O sujeito se valeu de “anos de estudo de música” para atacar o talento de todas as citadas e bradar aos quatro cantos que Paula Toller “é de longe a melhor cantora brasileira”. Discordância geral, óbvio, seguida de réplica e tréplicas. Contudo, antes que o tom da discussão subisse uns decibéis a mais, todo mundo viu que era melhor mudar de assunto. Fica no ar: ninguém perguntou a opinião do sujeito. Suspiro...
O derradeiro: muitos colegas e conhecidos que militam no PCdoB são bem ativos nas redes sociais. Muitas vezes discordo de seu ponto de vista e procuro ficar na minha, mas sempre acompanho as manifestações de um tal Paulo Shetara, que faz questão de atacar furiosamente os comentários feitos pelos comunistas. Se algum deles coloca no Facebook um “viva!” pela eleição do novo presidente do Peru, o mala faz questão de discordar dos 48 que gostaram da notícia, e, sem qualquer semancol, bombardeia os motivos da comemoração. Ora, vá fazer um blog, visitar o site da “Veja” ou, como cantava com simplicidade Renato Russo, “se quiser se divertir, invente suas próprias canções”.
P.S. – em respeito aos quatro ou cinco leitores que sentiram a falta de textos por aqui, este blog está de volta, com a pretensão de amealhar mais uma meia dúzia de leitores.
Ruy Castro comentou esta semana que só com a popularização da internet Chico Buarque foi perceber que está longe de ser uma unanimidade, por conta dos comentários feitos nas redes sociais e nos rodapés de algumas reportagens a seu respeito. É claro que Chico fala isso em tom jocoso; da mesma forma, qualquer um que já discutiu música, política ou literatura nos botecos da vida sabe que o estilo do “feioso” está longe de agradar a todos – em algumas rodinhas eu diria que seus fãs já se tornaram minoria, mas isso é prosa pra outro texto.
O que me chama a atenção nos que dizem “odiar o filho da puta e idiota do Chico”, nos que querem que “Chávez tenha câncer até na cabeça do pinto” ou naqueles que festejaram a morte de Paulo Renato como um título da Libertadores é a completa falta de sintonia de seus comentários, independentemente dos tons ofensivos. Isso, em geral, é visto nos sites noticiosos, na área de comentários. Em um nível abaixo na escala de falta de bom senso, vê-se algo muito semelhante no Orkut, no Twitter e principalmente no Facebook.
O Facebook demonstrou na prática ser mais interessante do que o Orkut, mas em um ponto ele perde: na criação de comunidades. Se você gosta de sexo tântrico, maconha, gamão, novelas, praias de nudismo ou comida tailandesa, certamente irá encontrar um canto mais agradável pra conversar sobre esses temas no Orkut, somente com pessoas que respeitam seu ponto de vista, se interessam pelo assunto e se dispõem a seguir certas regras de conduta para não ser convidado a se retirar. No Facebook, qualquer manifestação chega aos olhos de todos aqueles com quem há “amizade” – e aí muitas vezes a situação se torna chata.
Faça um teste: abra seu Facebook e veja quantas pessoas na sua lista são realmente próximas. Você já tomou uma cerveja com quantos ali? Já foi à casa de quantos? Com quantos você se sentiria à vontade para tirar um sarro depois de um jogo de futebol? De quantos você discordaria sem pudores de um posicionamento político? Você ouviria reprimendas de quantos após demonstrar o que realmente pensa sobre homossexuais, negros e nordestinos?
Mesmo depois de pensar nesses vários “quantos”, não defendo que você deixe de se manifestar quando bem entender. Mas faça isso no seu próprio canto, com amigos que pensem da mesma forma. Se você vai pela primeira vez à casa de uma fã enlouquecida dos Engenheiros do Havaí, diz o bom senso que não se deve enxovalhá-la e dizer que seu vocalista é um bosta – faça isso com sua turma ou somente depois que já houver um mínimo de intimidade com a moça.
Na internet é a mesma coisa. Se meu “amigo” Zé da Silva festeja a vitória do Kassab pra Prefeitura de São Paulo, eu vou lamentar profundamente, mas por que razão eu devo me meter nisso? A não ser que eu seja chamado a opinar, entendo que o bom senso me dá o direito de ler, discordar e ficar quieto, enquanto o camarada Zé da Silva e todos aqueles que concordarem com seu ponto de vista comemoram o resultado da eleição.
Nas mensagens futebolísticas-culturais isso fica mais evidente, embora os embates não sejam tão sérios quanto os de cunho eleitoral. O São Paulo levou cinco do Corinthians? Paciência... Não sabe se controlar e faz questão de responder a cada exaltado da sua lista? Fique longe da internet...
A regra básica do código de conduta é: se você não foi chamado para a conversa, não se manifeste, a não ser que haja um mínimo de intimidade e afinidade com o autor da mensagem ou de algum comentário específico. Se ficou na dúvida se deve escrever algo ou não, fique quieto. Se aquilo que leu é uma idiotice completa, que chega a lhe ofender, exclua o indivíduo de sua lista.
Pense em alguns “campeões de audiência” da internet que rolaram neste ano. Sua colega do curso de inglês deve ter adorado A Banda Mais Bonita da Cidade, a propaganda da Vivo com “Eduardo e Mônica” ou então o vídeo do menino gritando “que dó”. Ela não quer ouvir de alguém que só foi adicionado por conveniência críticas pesadas a suas preferências musicais, a seu senso estético ou coisa que o valha. Em pouco tempo alguém que pensa parecido contigo irá postar uma mensagem achincalhando algum desses vídeos – e aí então você poderá destilar todo o veneno que transborda de suas impressões digitais.
A internet muitas vezes acaba por forjar uma intimidade que não existe entre as pessoas. Fazendo uma conta rápida, tenho só uns quatro ou cinco amigos corintianos a quem eu dedico um “chupa” a cada gol levado pelo Timão (e de quem eu espero uma provocação quando o Tricolor perde); talvez uns 20 saibam o que realmente penso, sem qualquer rodeio, sobre religiões, política, música, cinema, literatura. Entre esse seleto grupo, vale ironia, vale sarro mais pesado, vale um bullying virtual que se resolve em alguma mesa de bar num futuro próximo. Com os demais, não.
Alguns exemplos práticos: meu camarada André Toso diz que Messi é melhor do que Pelé, em tom sério. Sinto-me à vontade para mandá-lo cagar a cada vez que ele escreve isso no Facebook, mas não acontece o mesmo quando vejo o também camarada Lucas Nobile dar a mesma opinião. Apesar de ser amigo dos dois, existem níveis de proximidade diferentes, que permitem reações proporcionais. Depois de ver e até participar de umas discussões bobas, o negócio é tentar fazer valer o bom senso.
Outro: dia desses, numa mesa de bar, por conta do aniversário de uma amiga, um dos convidados ouviu alguém mencionar os nomes de Marisa Monte, Maria Bethânia e outras cantoras apreciadas pelos presentes. O sujeito se valeu de “anos de estudo de música” para atacar o talento de todas as citadas e bradar aos quatro cantos que Paula Toller “é de longe a melhor cantora brasileira”. Discordância geral, óbvio, seguida de réplica e tréplicas. Contudo, antes que o tom da discussão subisse uns decibéis a mais, todo mundo viu que era melhor mudar de assunto. Fica no ar: ninguém perguntou a opinião do sujeito. Suspiro...
O derradeiro: muitos colegas e conhecidos que militam no PCdoB são bem ativos nas redes sociais. Muitas vezes discordo de seu ponto de vista e procuro ficar na minha, mas sempre acompanho as manifestações de um tal Paulo Shetara, que faz questão de atacar furiosamente os comentários feitos pelos comunistas. Se algum deles coloca no Facebook um “viva!” pela eleição do novo presidente do Peru, o mala faz questão de discordar dos 48 que gostaram da notícia, e, sem qualquer semancol, bombardeia os motivos da comemoração. Ora, vá fazer um blog, visitar o site da “Veja” ou, como cantava com simplicidade Renato Russo, “se quiser se divertir, invente suas próprias canções”.
P.S. – em respeito aos quatro ou cinco leitores que sentiram a falta de textos por aqui, este blog está de volta, com a pretensão de amealhar mais uma meia dúzia de leitores.
Comentários
E seu texto ficou bacana.
Purga, será que rola de produzir um "Deus+", em homenagem à velha frase do Cintra?