“Dos 133 países membros da ONU em 1977, o Brasil integrava o pequeno grupo dos seis que ainda não haviam adotado a lei do divórcio; os outros cinco países – todos católicos – eram: Paraguai, Chile, Argentina, Espanha e Irlanda. E segundo dados apresentados pelos membros da Campanha Nacional Pró-Divórcio existiriam naquela época no Brasil cerca de 12 milhões de pessoas, entre desquitadas e simplesmente separadas, à espera de solução para seu problema”.
“O divórcio é o capricho dos instintos insaciáveis”.
“O brasileiro que está a favor do divórcio é um Silvério dos Reis, um traidor, porque a estabilidade da Pátria é a estabilidade da família”.
“O homem não tem o direito de separar o que Deus uniu”.
“Uma lei subversiva em relação à ordem natural, extremamente prejudicial ao homem e à sua convivência social”.
Todos os trechos acima foram retirados do livro “Eu não sou cachorro, não”, do historiador e jornalista Paulo César Araújo – o mesmo que fez a biografia que Roberto Carlos censurou. O primeiro deles são palavras do autor; os demais são frases ditas por religiosos brasileiros ao longo dos anos 1970, época em que regulamentação do divórcio estava na ordem do dia.
O livro de Araújo trata do papel dos artistas considerados “cafonas” ou “bregas” em nossa sociedade. O autor fez uma pesquisa muito bacana, cujo resultado mostra que não foram apenas Caetano, Gil, Chico e cia. que sofreram com a censura durante a vigência do AI-5. Trata-se de uma obra bastante relevante, que em breve merece outro post aqui no blog.
Lidos em pleno ano de 2011, os trechos acima soam patéticos. Araújo os reuniu em seu livro porque muitos artistas, como Odair José, por exemplo, sofreram censura pela defesa que fizeram do divórcio em suas músicas (o autor de “Pare de tomar a pílula” foi o quarto brasileiro a conseguir na justiça sua separação, após a promulgação da lei, em 1977). Patéticas ou não, as declarações e o números mostram o tamanho do atraso ao qual o Brasil foi (e ainda é) submetido, por conta do conservadorismo descabido de grande parte da sociedade.
Arrisco um picolé de coco que lá pros idos de 2060 (quando estarei com 80 anos, lúcido e disposto a pagar a aposta), quando as mulheres brasileiras não precisarem recorrer a abortivos ou a clínicas clandestinas para decidir se querem ou não ter filhos, os discursos que ouvimos e lemos atualmente soarão tão patéticos quanto essas discussões sobre divórcio.
Estados Unidos, Rússia, França, Grécia, Itália (!!), Noruega, Suécia, Portugal, Bélgica, China, Canadá, Áustria e Cuba são algumas das dezenas de nações (somente para citar países de diferentes regimes políticos) que decidiram algo simples: cabe à mulher decidir o que é melhor para sua vida, sem a interferência de qualquer argumento religioso que a obriga a sofrer humilhações terríveis.
Nem cabe aqui entrar no argumento mais racional de todos para essa questão (a de que a legalização do aborto é um assunto de saúde pública, e não um preceito moral ou religioso). No entanto, em tempos nos quais o Brasil dá passos largos rumo a um patamar mais desenvolvido, desanima lembrar que o nível das discussões sobre temas como esse nos remete aos tempos da Inquisição.
Nos anos 1970, no entanto, ao menos havia um Odair José para defender – e expor à população mais simples, sem muito acesso a informações – esse tipo de causa. E hoje? Quem se arrisca a ser linchado em praça pública?
“O divórcio é o capricho dos instintos insaciáveis”.
“O brasileiro que está a favor do divórcio é um Silvério dos Reis, um traidor, porque a estabilidade da Pátria é a estabilidade da família”.
“O homem não tem o direito de separar o que Deus uniu”.
“Uma lei subversiva em relação à ordem natural, extremamente prejudicial ao homem e à sua convivência social”.
Todos os trechos acima foram retirados do livro “Eu não sou cachorro, não”, do historiador e jornalista Paulo César Araújo – o mesmo que fez a biografia que Roberto Carlos censurou. O primeiro deles são palavras do autor; os demais são frases ditas por religiosos brasileiros ao longo dos anos 1970, época em que regulamentação do divórcio estava na ordem do dia.
O livro de Araújo trata do papel dos artistas considerados “cafonas” ou “bregas” em nossa sociedade. O autor fez uma pesquisa muito bacana, cujo resultado mostra que não foram apenas Caetano, Gil, Chico e cia. que sofreram com a censura durante a vigência do AI-5. Trata-se de uma obra bastante relevante, que em breve merece outro post aqui no blog.
Lidos em pleno ano de 2011, os trechos acima soam patéticos. Araújo os reuniu em seu livro porque muitos artistas, como Odair José, por exemplo, sofreram censura pela defesa que fizeram do divórcio em suas músicas (o autor de “Pare de tomar a pílula” foi o quarto brasileiro a conseguir na justiça sua separação, após a promulgação da lei, em 1977). Patéticas ou não, as declarações e o números mostram o tamanho do atraso ao qual o Brasil foi (e ainda é) submetido, por conta do conservadorismo descabido de grande parte da sociedade.
Arrisco um picolé de coco que lá pros idos de 2060 (quando estarei com 80 anos, lúcido e disposto a pagar a aposta), quando as mulheres brasileiras não precisarem recorrer a abortivos ou a clínicas clandestinas para decidir se querem ou não ter filhos, os discursos que ouvimos e lemos atualmente soarão tão patéticos quanto essas discussões sobre divórcio.
Estados Unidos, Rússia, França, Grécia, Itália (!!), Noruega, Suécia, Portugal, Bélgica, China, Canadá, Áustria e Cuba são algumas das dezenas de nações (somente para citar países de diferentes regimes políticos) que decidiram algo simples: cabe à mulher decidir o que é melhor para sua vida, sem a interferência de qualquer argumento religioso que a obriga a sofrer humilhações terríveis.
Nem cabe aqui entrar no argumento mais racional de todos para essa questão (a de que a legalização do aborto é um assunto de saúde pública, e não um preceito moral ou religioso). No entanto, em tempos nos quais o Brasil dá passos largos rumo a um patamar mais desenvolvido, desanima lembrar que o nível das discussões sobre temas como esse nos remete aos tempos da Inquisição.
Nos anos 1970, no entanto, ao menos havia um Odair José para defender – e expor à população mais simples, sem muito acesso a informações – esse tipo de causa. E hoje? Quem se arrisca a ser linchado em praça pública?
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