Pular para o conteúdo principal

O ano em que passei a entender a grandeza santista

Quando moleque, lá pela transição entre os anos 80 e 90, não entendia por que motivos o Santos Futebol Clube era tão aclamado. É óbvio que desde sempre havia as imagens de Pelé, os vídeos com as conquistas da Libertadores e do Mundial nos anos 60, mas aquilo parecia um tanto quanto virtual, sem conexão com a realidade.

Em meu círculo de amigos, havia somente um ou dois santistas, sempre discretos. Fanáticos mesmo apenas alguns senhores, como o Constantino, dono de um bar na rua e avô do Chulé, grande companhia daqueles tempos. Ao mesmo tempo, para muitos torcedores, o Peixe já tinha se tornado uma espécie de Portuguesa ou Juventus, times que sempre geravam simpatia entre os que gostavam de futebol.

De certa forma, não era apenas a grandeza do Santos que me parecia incompreensível. Algo parecido acontecia com a seleção brasileira. Novamente vinham Pelé e outros craques, muitas vezes em imagens em preto-e-branco, em uma velocidade que atraía e ao mesmo tempo gerava um monte de interrogações.

Vieram os anos 90 e finalmente, depois de 24 anos, o Brasil voltaria a vencer uma Copa do Mundo. Apesar de Romário, o time campeão nos Estados Unidos não lembrava em nada aqueles vídeos repetidos ad infinitum em época de mundiais. Um ano depois, o Santos conseguiu começar a alterar essas impressões estranhas. Apesar de são-paulino, acompanhei com apreensão, ao lado de milhares de “testemunhas de Giovanni”, as semifinais e finais do Brasileiro de 1995, quando o Peixe finalmente me deu motivos para acreditar que era de fato um grande time – e não apenas um clube que vivia do passado.

O ano decisivo para essa mudança foi 2002. À época, trabalhava no Lance! e me lembro que a cobertura jornalística destinada ao Santos estava se tornando muito parecida com a da Portuguesa. Sua torcida a cada pesquisa se mostrava menor e esse tamanho era sempre conferido na quantidade de jornais vendidos nas segundas-feiras: os campeões nesse quesito, na capital paulista, eram claramente Corinthians, São Paulo e Palmeiras.

Eis que, de repente, o país passa a conhecer Robinho, Diego e uma geração de moleques que por pouco não ficaram de fora da fase final do Campeonato Brasileiro daquele ano. Para chegar ao título, eliminaram os favoritos São Paulo e Corinthians. Uma geração de santistas sai da toca. Aqueles que nunca se esconderam vão ao êxtase. Os paulistas voltavam a ter, de fato, outro gigante para atazanar o chamado Trio de Ferro da capital. Meses antes, algo parecido ocorrera com a seleção brasileira. Com Rivaldo e Ronaldo à frente, veio o penta, com um futebol vistoso, digno de entrar para a história do futebol.

Hoje, com Neymar e Ganso, tricampeões da América (privilégio somente dos gigantes do futebol), percebo a importância que a geração de Robinho teve para garantir que a torcida santista revertesse uma trajetória descendente, resultado direto da carência de títulos importantes durante os anos 80 e 90 – fase em que seus rivais paulistas obtiveram importantes conquistas. Um time com sua história merece o sucesso hoje usufruído.

Parabéns aos santistas pelo centenário! Vida longa ao Peixe!

Comentários

Ronaldo disse…
De acordo.

Postagens mais visitadas deste blog

I Was Born Ten Thousand Years Ago

E eis que de repente leio o seguinte parágrafo hoje no ônibus, na biografia de Paulo Coelho escrita por Fernando Morais: “Em dezembro de 1976 a Philips colocou nas ruas o quinto LP de Paulo com Raul, Há Dez Mil Anos Atrás [...]. A canção que dava nome ao álbum tinha duas peculiaridades: uma redundância no título e o fato de ser a tradução adaptada de I Was Born Ten Thousand Years Ago , conhecida canção tradicional americana de domínio público que tinha várias versões, a mais famosa delas gravada por Elvis Presley quatro anos antes”. Foram longos minutos até chegar ao trabalho e procurar no YouTube a versão original da música. E bateu uma certa sensação de ignorância por gostar de ambos (Elvis e Raul) e não saber que a longa letra é uma adaptação/tradução/homenagem. Sem mais delongas, seguem abaixo o vídeo e a letra original, com a ressalva de que há mais de uma versão para I Was Born Ten Thousand Years Ago : I WAS BORN ABOUT TEN THOUSAND YEARS AGO (Traditional - Adapted by Elvis Presl

A grandeza de Nelson Ned

Um belo dia, em um programa de televisão (“Conexão Internacional”, da extinta Rede Manchete), Chico Buarque enviou uma pergunta para Gabriel García Márquez: “As suas preferências musicais causam espanto em muita gente, principalmente aqui no Brasil. Eu queria saber se os seus romances fossem música, seriam samba, tango, som cubano ou um bolero vagabundo mesmo?”. Com elegância e sem vergonha de suas preferências, o escritor colombiano respondeu: “Eu gostaria que fossem um bolero composto por você e cantado pelo Nelson Ned”. Pela terceira vez (haverá ainda um quarto texto), recorro a “Eu não sou cachorro, não”, livro de Paulo César Araújo para relatar causos de nossa cultura popular. Pouco antes da resposta de Gabo a Chico, fico sabendo ainda que o Nobel de Literatura escreveu “Crônica de uma morte anunciada” ao som de canções como “Tudo passará”, do grande pequeno cantor brasileiro, cuja obra em geral é relegada aos rótulos de “cafona” e “brega” de nossa discografia. Nelson Ned é figura

"Vesti azul.... minha sorte então mudou"

A primeira vez que ouvi falar em Wilson Simonal foi no colégio - se não me engano, numa aula da Tia Idair, na quarta série. Por algum motivo, ela havia citado "Meu limão, meu limoeiro" e ninguém da classe sabia do que se tratava. Estupefata, ela cantarolou "... uma vez skindô lelê, outra vez skindô lalá" e tentou fazer algo no estilo que o "rei da pilantragem" costumamava aprontar com suas plateias . E deu certo. Dia desses fui ver "Simonal - Ninguém sabe o duro que eu dei", documentário muito bem feito sobre a carreira do sensacional cantor, com ênfase, claro, na eterna dúvida que o cercou desde os anos 70 até sua morte, em 2000: Simonal foi um dedo-duro dos militares durante a ditadura ou não? Pra quem não sabe do que se trata, um resumo curto e grosso: Simonal competia com Robertão na virada dos 60 para os 70 como o cantor mais popular do Brasil. Um belo dia, seu nome aparece nos jornais como delator de companheiros de profissão, alguém a serv