Em 2007, “Veja”, como sempre com intenções nada nobres, encomendou ao Instituto Sensus uma pesquisa que mostrou dados interessantes sobre a sociedade brasileira. Segundo o levantamento, 32% dos eleitores votariam em um homossexual para presidente; 57% não criariam empecilhos para votar em uma mulher; 84% optariam sem problemas por um negro; e apenas 13% votariam em um candidato que se declarasse ateu.
Essa discussão já esteve em voga em pelo menos em três eleições no Brasil. Em 1985, num debate entre candidatos à prefeitura de São Paulo, Fernando Henrique Cardoso gaguejou ao vivo quando perguntado se era ateu. Jânio Quadros soube se aproveitar da situação e virou uma disputa praticamente perdida. Em 1989, não foram poucos os boatos que associavam Lula a um ateu comunista comedor de criancinhas. Em 2010, Dilma, que mal deve saber o Pai-Nosso, teve que fugir do assunto e se passar por carola.
O que leva uma pessoa religiosa a ter esse tipo de sentimento por alguém que afirma não crer em algum tipo de deus? Qual a origem desse preconceito? Qual o problema em dar apoio a um ateu que queira concorrer a um cargo público?
Não tenho resposta para nenhuma dessas questões. No entanto, tenho a convicção de que o comportamento de grande parte dos ateus colabora para que esse cenário não se altere – ao contrário, temo até que os ateus passem a ser cada vez menos compreendidos e considerados cada vez mais desrespeitosos em relação à fé alheia.
Lendo o que não se quer
Isso tem se tornado bem claro com a popularização do Facebook. No Orkut existiam e existem diversas páginas para se discutir a fé ou a falta dela, mas por seu formato característico, somente aqueles que se inscreviam em determinados grupos tinham acesso às leituras e discussões sobre o tema. Na rede social criada por Mark Zuckenberg, acabamos sendo bombardeados por informações que não nos interessam e, em muitas ocasiões, nos incomodam ou ofendem.
Uma das frases mais tolas de nosso cotidiano diz que política, futebol e religião não se discutem. Os três assuntos podem ser apaixonantes, desde que existam (além de respeito) os conhecimentos mínimos necessários para se aprofundar em cada um deles e, sobretudo, interlocutores inteligentes o bastante para que a conversa não resulte em mera provocação infantiloide. Infelizmente, ateus, católicos, espíritas, evangélicos, messiânicos e até mesmo alguns budistas não têm colaborado muito.
Limitemo-nos ao papel dos ateus xiitas neste texto. Suas provocações ganharam corpo nos últimos anos no Brasil, especialmente depois da publicação de “Deus, um delírio”, livro de excelente nível do estudioso Richard Dawkins. Seu autor se tornou uma espécie de líder espiritual dos que não creem em nenhuma divindade. Dono de um estilo naturalmente provocador, Dawkins pode agir dessa forma por dois motivos simples: 1) em países livres, cada um abre a boca para falar o que quiser; 2) o cara é um conhecedor profundo do tema, alguém que estudou de modo absurdo as religiões e que tem bagagem o bastante para defender seus pontos de vista.
Contudo, 99,8% dos leitores de Dawkins não possuem seu preparo. Assim como grande parte dos religiosos, que se limitam a repetir como papagaios os argumentos de padres, pastores etc., sem estudar a Bíblia ou quaisquer outros livros sagrados, esses ateus acabam por realizar um desserviço brutal, transformando suas palavras em armas cujas munições acabam saindo pela culatra.
Um exemplo que tem se tornado corriqueiro: Dawkins, em seu livro e em muitas entrevistas, bate em uma tecla que concordo: crianças não deveriam ter religião. Para ele, é errado dizer que o pequeno Felipe, de 7 anos, é católico, espírita ou evangélico. O estudioso defende que o correto seria dizer que “Felipe é filho de católicos, espíritas ou evangélicos e, quando for adulto, terá discernimento o bastante para escolher alguma religião”. Isso escrito em um livro pode ter uma bela repercussão e gerar bons debates. Em uma rede social, no entanto, é um conteúdo com potencial altamente explosivo, especialmente em mãos de ateus xiitas, que não prezam pelo respeito à forma como cada casal educa sua família.
Alguns passos para trás
Em recente conversa, um amigo comparou o ateu xiita ao homossexual que, ainda inseguro de sua opção, opta por se tornar uma pessoa forçadamente afeminada (ou masculinizada, no caso de uma mulher), apenas para se auto-afirmar em meio a uma sociedade preconceituosa. Na prática, esse comportamento acaba por gerar ainda mais preconceito.
O ateu, em geral, é um sujeito que se gaba de sua opção, quase sempre qualificando-a como uma escolha filosófica ou intelectual. Considero muito válidos esses argumentos e creio que se tal escolha se limitasse a esses pontos de vista, haveria muito mais pessoas interessadas em discutir a importância da religião na sociedade e dispostas a deixar de lado qualquer tipo de fanatismo. Mas não é o que se vê por aí.
No Facebook, já são famosas as peças publicitárias da Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (Atea). A princípio, a entidade produziu materiais interessantes e bem humorados, procurando demonstrar que não há motivo nenhum para associar o ateísmo a adjetivos pejorativos, muitas vezes agressivos. Mas isso tem mudado de uns tempos para cá, especialmente por uma postura mais agressiva de parte daqueles que interagem em sua "fanpage", pessoas que não nada devem a certos extremistas e que fazem questão de associar qualquer crença religiosa à ignorância. Ao agirem dessa forma, esses indivíduos se rebaixam ao nível de alguém como José Luiz Datena, que afirmou, em rede nacional, que "ateus são caral do mal".
Se é possível discutir a partir de um ponto de vista crítico sobre o papel das religiões na sociedade, mexer com algo de aspecto tão íntimo como a fé é um péssimo negócio, com resultados sempre desastrosos. Por esse viés, os ateus xiitas construíram nos últimos tempos um gigantesco telhado de vidro, tão grande quanto os templos que por eles atacados. Por conta desse raciocínio limitado, talvez, com sorte, lá por volta de 2040 algum cidadão que “não tenha Deus no coração” possa ser sincero caso queira se candidatar a algum cargo público.
Comentários