Foi com alguma surpresa que terminei a leitura de “O Bispo – A história revelada de Edir Macedo”, livro chapa-branca de autoria dos jornalistas Douglas Tavolaro e Christina Lemos, funcionários da Rede Record. Surpresa e satisfação, por notar que uma das autoridades religiosas mais importantes do país é capaz de ter pontos de vista progressistas, ao contrário da imagem comumente associada a suas pregações.
Como o próprio título diz, a obra é uma biografia (autorizada) de Edir Macedo. De conteúdo raso e calcado em centenas de horas de entrevistas concedidas pelo bispo, os autores conseguem contar, em linguagem simples e apressada, a história do funcionário público que construiu um império fabuloso, a conhecida Igreja Universal do Reino de Deus.
Em tempo: neste texto não haverá qualquer tipo de juízo de valor a respeito da fé do bispo e de seus seguidores. Irei me ater a alguns depoimentos retirados do livro acima citado, pela sensação inusitada que tais trechos me causaram.
Em determinado capítulo do livro, os jornalistas fazem uma espécie de “jogo rápido” com Edir Macedo, a partir da proposta de alguns temas polêmicos. Sua posição sobre o incentivo ao uso de preservativos já era conhecida. O que me causou tremenda surpresa foi ler o que o bispo pensa sobre aborto:
“Sou a favor do direito de escolha da mulher. Em casos como estupro, má-formação do feto ou quando a vida da mãe está comprovadamente ameaçada pela gestação, não há o que discutir. Sou a favor do aborto, sim. [...] O Brasil deveria se unir pelo direito da mulher optar pelo aborto. Nossos governantes deveriam se empenhar para isso e não se curvar diante da pressão de alguns segmentos religiosos”.
Nos templos da Universal na África do Sul, há máquinas que distribuem preservativos gratuitamente. Em Johanesburgo, na inauguração de uma catedral em Soweto, 150 mil unidades foram entregues ao fieis. “Sou a favor da camisinha, da vasectomia, da laqueadura, das pílulas e de todos os métodos existentes, ou que ainda vão existir, para o controle de natalidade. [...] O que mais me revolta é saber que existem grupos religiosos conservadores que ainda pregam o contrário. E os jovens que morrem de AIDS todos os dias? E as doenças sexualmente transmissíveis? E o aumento de mães solteiras? Quem se responsabiliza por tudo isso? A Igreja Católica? Quem?”.
É claro que nem tudo é positivo. O que Edir Macedo pensa sobre homossexualismo, drogas, machismo, submissão feminina, divórcio e suas atitudes diante de outras crenças e rituais religiosos (como o espiritismo ou a umbanda) impedem-no de ser considerado um homem progressista. No entanto, alguns de seus posicionamentos a respeito de temas tão polêmicos da sociedade ajudam a explicar a ascensão dos evangélicos no país. Talvez a realidade que o cerca o tenha levado a pensar dessa forma. Mas o fato é que seu discurso, em alguns pontos, é inegavelmente mais avançado do que aquele pregado pelo Vaticano.
Até então, só havia prestado atenção na incrível retórica de Edir Macedo. Seu modo de se dirigir ao público chegou até mesmo a despertar a atenção de ninguém menos do que um mestre nessa seara, Silvio Santos, que em 1998 chegou a acompanhar ao vivo um dos cultos do bispo.
Mas é claro que Edir Macedo é muito mais do que um grande orador. A fé construída e administrada por sua igreja é extremamente antenada aos avanços da sociedade contemporânea não apenas no Brasil, mas no mundo todo – a Universal já está presente em mais de 150 países.
Enquanto historicamente a igreja católica associou a pobreza à virtude, Edir Macedo soube, ainda nos anos 70, adotar e disseminar o discurso protestante conhecido como “teologia da prosperidade”. Em seus cultos, é comum ouvi-lo dizer que a Universal começou em um barraco, mas atualmente se situa em edifícios luxuosos, graças ao esforço, ao trabalho e à fé de seus seguidores. Cai fora a história da agulha, do camelo e do reino dos céus para os pobres; entra a ideia de que Jesus veio aos pobres para tirá-los do sofrimento e da pobreza.
Em resumo, “O bispo” não é um livro para aqueles que queiram entender de modo mais profundo o fenômeno de igrejas como a Universal no Brasil. É uma leitura cheia de ressalvas (porém interessante) a respeito de uma figura que tem influência direta sobre milhões de pessoas ao redor do mundo, sobre o jornalismo nacional e sobre a política. Vê-lo tão-somente como um religioso não é o bastante. Uma biografia não autorizada será fundamental para compreender toda sua complexidade.
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