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Diferenças # 1

Sobre mortalidade infanti. Texto de Rogério Tuma.

Na faculdade de Medicina logo se aprende que política de saúde de país pobre ou pouco desenvolvido se expressa em mortalidade infantil. Portanto, se você quiser saber se o governo está investindo em saúde pública, não tenha dúvida, veja se as crianças nascem bem e são vacinadas, se crescem acima da média e sobrevivem os primeiros anos de vida. Se sim, então o governo cumpriu o seu papel. No Japão, por exemplo, onde a mortalidade infantil é próxima a cinco, ou nos Emirados Árabes onde é menor que um por mil nascimentos há décadas e só vai cair mais quando descobrirmos a cura para doenças genéticas graves, para medirmos o sistema de saúde e o resultado do investimento na medicina primária precisamos olhar para os idosos. Por lá, se o governo for bom, a vida média das pessoas aumenta. Aqui, na Ásia e na África, as crianças é que precisam escapar dos perigosos cinco primeiros anos de vida.

Na publicação on-line da revista Lancet, de 24 de maio, Julie Rajaratnam e outros pesquisadores da Universidade de Washington e de Queensland, Austrália, analisaram mais de 16 mil publicações de 187 países entre 1970 e 2009 para verdadeiramente estudar o que estava sendo feito no mundo para reduzir a mortalidade infantil. Um dos objetivos da humanidade, o número 4 na resolução do Millenium Development Goal (MDG4), de reduzir em dois terços a mortalidade em crianças com menos de 5 anos entre 1990 e 2015. O mundo todo reduziu a mortalidade dessa faixa etária de 11,9 milhões, em 1990, para 7,7 milhões, em 2010, uma redução anual de 2%. Para atingirmos o MDG4, deveríamos ter reduzido a mortalidade em 4,4%.

O estudo dividiu os países por região geográfica, colocando o Brasil na América tropical junto com o Paraguai. Lembremos que até 2000 a nossa mortalidade infantil era maior que a do nosso vizinho. Hoje é o inverso, e a nossa taxa de redução na mortalidade é menor que a do Paraguai.

O estudo também dividiu a mortalidade das crianças em três grupos: neonatal, que são as mortes durante o parto e até o primeiro mês; pós-neonatal, do primeiro mês até o primeiro ano; e infância, que vai do primeiro ano ao quinto. Com os dois primeiros se avalia a assistência à mãe e à criança, e no primeiro grupo você consegue até perceber ou ao menos ter uma ideia se os hospitais públicos são bons. No último grupo, avaliam-se os centros de saúde e toda a infraestrutura social – até o saneamento básico interfere no resultado.

A saúde pública do Brasil, na última década, bateu todas as metas do MDG4 em todos os grupos. A América do Norte não conseguiu fazer isso. O Brasil, os países árabes e o norte da África foram os únicos que conseguiram a estupenda marca de reduzir na última década perto de 7% a mortalidade infantil todo ano.

Portanto, os dados do censo mundial sobre a mortalidade infantil, apesar de mostrar que o mundo está falhando na MDG4 ao não reduzir a mortalidade infantil em dois terços, mostra que o ministro da Saúde do governo Lula e os projetos sociais do mesmo governo, mesmo criticáveis, conseguiram o admirável feito de reduzir dramaticamente a mortalidade.

Nunca falta assunto para criticar a política de saúde dos governos, até quando o resto do mundo todo faz o mea culpa, não atingindo seus objetivos de melhorar as condições de vida das crianças. Aqui no Brasil, contudo, não parece ter sido só um lampejo de boas ações. Já assisti a outros governantes ganharem troféus por muito menos. Se assim é, então o ministro Temporão, a quem não conheço, merece uma medalha – ele não só informa que sexo é muito bom, mas sabe cuidar muito bem do resultado do sexo, ou seja, das criancinhas.

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