Pular para o conteúdo principal

Ôôôô... listen to the music

Na segunda semana em Vancouver, um outro brasileiro, o Vinny, um cara que já havia morado nos Estados Unidos e tinha um nível de inglês bem melhor do que o meu, explicou o processo de aprendizado de outro idioma de uma forma que nunca mais saiu de minha cabeça.

Ele dizia que era preciso "pegar a música" do idioma, seja das pessoas nativas do país ou mesmo dos estrangeiros que já são fluentes. E não importava quanto tempo alguém já tivesse estudado essa outra língua: ao chegar em outro país, tudo só transcorreria bem quando a tal música fosse devidamente captada.

Depois de alguns meses por lá, vi que ele estava realmente certo. E comprovei isso mais uma vez em recente visita a trabalho à "Beneçuela". A impressão é a de que cada país hispanohablante tem uma "música" diferente, que exige uma adaptação que pode ser mais demorada ou menos demorada.

Ainda na América do Norte, eu pensava que a "música" do Vinny tinha mais a ver com sotaques. Por lá, vi que a entonação era muito mais importante para se fazer compreender, especialmente ao conversar com nativos. A cada cidade, era preciso um ajuste no ouvido e na língua, usar mais gestos ou menos gestos... enfim, pegar o ritmo da música.

Em Caracas, esse ajuste foi bem mais tranquilo do que na Argentina, no Panamá ou em San Diego, onde se falava mais espanhol do que inglês. A música só vinha com ruído às vezes por conta do péssimo atendimento presenciado em táxis, restaurantes e no atendimento ao público em geral, comportamento extremamente oposto ao visto na Bolívia, por exemplo, onde os paceños se viravam nos 30 para mostrarem presteza e gentileza.

O engraçado disso é, depois de alguns dias sem ouvir e nem "cantar" essa música, sempre sentir falta dela. Notei isso ao ouvir no gravador umas entrevistas feitas em espanhol. Ao mesmo tempo em que é meio ridículo ouvir a si mesmo falando com uma entonação diferente, a experiência serve também para reforçar como o paulistanês está longe de ser algo que nos encha de orgulho - muito pelo contrário.

A Venezuela vai merecer mais alguns posts por aqui. Admito que ainda preciso pensar um pouco a respeito do que vi e ouvi por lá. Por ora, basta escrever sobre sua "música".

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

I Was Born Ten Thousand Years Ago

E eis que de repente leio o seguinte parágrafo hoje no ônibus, na biografia de Paulo Coelho escrita por Fernando Morais: “Em dezembro de 1976 a Philips colocou nas ruas o quinto LP de Paulo com Raul, Há Dez Mil Anos Atrás [...]. A canção que dava nome ao álbum tinha duas peculiaridades: uma redundância no título e o fato de ser a tradução adaptada de I Was Born Ten Thousand Years Ago , conhecida canção tradicional americana de domínio público que tinha várias versões, a mais famosa delas gravada por Elvis Presley quatro anos antes”. Foram longos minutos até chegar ao trabalho e procurar no YouTube a versão original da música. E bateu uma certa sensação de ignorância por gostar de ambos (Elvis e Raul) e não saber que a longa letra é uma adaptação/tradução/homenagem. Sem mais delongas, seguem abaixo o vídeo e a letra original, com a ressalva de que há mais de uma versão para I Was Born Ten Thousand Years Ago : I WAS BORN ABOUT TEN THOUSAND YEARS AGO (Traditional - Adapted by Elvis Presl...

Bismarck, unificação e as consequências da industrialização alemã

É impossível afirmar que um evento com a magnitude da Primeira Guerra Mundial tenha ocorrido por conta de um fenômeno isolado – são vários os elementos envolvidos. No entanto, para muitos historiadores e analistas, o papel geopolítico desempenhado pela Alemanha no final do século 19 foi um fator preponderante para o início do conflito. Este trabalho pretende analisar, pelo viés do desenvolvimento econômico da Alemanha, de que maneira um país unificado somente em 1871 pôde se transformar, em pouco mais de quatro décadas, em uma nação de primeira grandeza – a ponto de ser um dos protagonistas da Primeira Guerra. Que elementos – externos e internos – contribuíram para essa ascensão? Até que ponto é correto responsabilizar os alemães pelo estopim do conflito que viria a tirar as vidas de 19 milhões de pessoas? De 1789 a 1848 – anos cercados por revoluções Uma geração inteira, tanto na França quanto nos estados germânicos, cresceu sob o impacto direto das consequências da Revolução Francesa...

A grandeza de Nelson Ned

Um belo dia, em um programa de televisão (“Conexão Internacional”, da extinta Rede Manchete), Chico Buarque enviou uma pergunta para Gabriel García Márquez: “As suas preferências musicais causam espanto em muita gente, principalmente aqui no Brasil. Eu queria saber se os seus romances fossem música, seriam samba, tango, som cubano ou um bolero vagabundo mesmo?”. Com elegância e sem vergonha de suas preferências, o escritor colombiano respondeu: “Eu gostaria que fossem um bolero composto por você e cantado pelo Nelson Ned”. Pela terceira vez (haverá ainda um quarto texto), recorro a “Eu não sou cachorro, não”, livro de Paulo César Araújo para relatar causos de nossa cultura popular. Pouco antes da resposta de Gabo a Chico, fico sabendo ainda que o Nobel de Literatura escreveu “Crônica de uma morte anunciada” ao som de canções como “Tudo passará”, do grande pequeno cantor brasileiro, cuja obra em geral é relegada aos rótulos de “cafona” e “brega” de nossa discografia. Nelson Ned é figura...