Marcio Pochmann é presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e, na minha modesta opinião, trata-se do cara cujas análises sobre o Brasil e o mundo mais merecem atenção já há algum tempo. Fui começar a acompanhar seus artigos após uma aula em 2005, na Escola de Governo. O que ele pensa sobre a educação no Brasil, em especial, me faz pensar bastante ultimamente.
Reproduzo abaixo alguns trechos de uma entrevista recente publicada na "Caros Amigos":
"Ocorre que a educação de hoje não transforma as pessoas. Não está transformando. A educação conforma as pessoas para o mercado de trabalho. Não é uma educação para a vida. A educação que nós vamos precisar daqui para frente é educação para a vida, isso significa inverter a educação do jeito que ela é agora. O princípio da educação é a do especialista. Todo mundo quer ser especialista. Você vai ao hospital e tem lá o especialista em dedo direito, em dedo esquerdo. Tem o advogado especialista em uma área, outro em outra área, ou seja, a nossa estrutura educacional é de especialistas. O problema é que abandonamos o princípio da universalidade, isto é, da unidade do conhecimento. Todos tínhamos uma unidade do conhecimento. Hoje não temos. O resultado é que temos o especialista que sabe cada vez mais de menos coisas. A sociedade do conhecimento, da informação, nos coloca dados, análises de forma absurda que não temos condição de acompanhar, sistematizar. Resultado, nós estamos nos transformando cada vez mais numa população de ignorantes, analfabetos. Na minha área, por exemplo, não consigo acompanhar a profusão de livros, teses, artigos... Isso só da minha área de conhecimento. E as outras áreas?".
"Na sociedade do conhecimento não há justificativa técnica, não há razão alguma que as pessoas comecem a trabalhar antes dos 25 anos de idade. Não é a sociedade do conhecimento? O principal ativo não é a informação? Por que começar a trabalhar cedo? Por que começar a trabalhar antes de ter completado a universidade? Mas isso já existe no Brasil. Dificilmente vamos encontrar um filho de rico que tenha começado a trabalhar antes dos 25 anos de idade, depois de ter completado a universidade, ter feito MBA, ter estudado fora do país. Somente no Brasil os filhos de pobres estão condenados a trabalhar sempre. A gente quer dar trabalho para os filhos dos pobres, não quer educação. As ações de educação são todas voltadas para o mercado de trabalho. Os filhos dos pobres começam muito cedo a trabalhar. Por começar muito cedo, eles não estudam e vão ocupar os piores postos no mercado de trabalho brasileiro. Temos república no Brasil? Não temos república, nada. República significa a igualdade de oportunidades. E se há os que começam a trabalhar aos 15 anos de idade e outros só aos 25, não há igualdade de oportunidade. Os filhos dos ricos vão começar depois e ocupar os principais postos do mercado de trabalho, seja no setor público, seja no setor privado. O mercado de trabalho reproduz a desigualdade. Os filhos de pobres continuarão sendo pobres e os filhos dos ricos sendo ricos".
"O que deu sustentabilidade de longo prazo ao capitalismo no século 20 foi a produção de bens de consumo duráveis, como por exemplo, a casa própria e o automóvel. Não são apenas eles, mas a casa e o automóvel simbolizam o consumo no capitalismo do século 20. A produção desses bens se difundiu pelo mundo, no entanto, apenas um quarto da população mundial tem acesso a esse padrão de consumo. Apenas um quarto. É o que praticamente temos no Brasil. Para que esse padrão de consumo tivesse padrões mundiais, especialmente no mundo onde a renda per capita é muito baixa, foi necessário o aprofundamento do subdesenvolvimento, que é o que se pressupõe no Brasil. Em outras palavras: para que aqui no Brasil pudesse se instalar a indústria automobilística e a produção nacional comparável ao os países ricos foi necessário concentrar profundamente a renda, para poder viabilizar o padrão de consumo dos mais ricos. Se a gente for a qualquer cidade brasileira a gente vê segmentos sociais que participam de alto padrão de consumo. Há bairros de qualquer cidade brasileira onde há casas com garagem com quatro, cinco carros, cada membro da família tem um automóvel. Há casas compatíveis com padrão hollywoodiano de habitação".
"Os ricos vivem aqui muito melhor que a classe média e os ricos nos Estados Unidos e na Europa porque aqui os ricos não pagam impostos. E lá não existe como aqui essa massa de serviçais. É manicure, empregados domésticos, cortador de grama, faxineira, ou seja, um exército de prestadores de serviço. No Brasil, as famílias de classe média e ricas têm, em média, 13 serviçais à sua disposição para prestar serviços. São 13, no mínimo, ou seja, são mais de 20 milhões de pessoas que constituem esse exército com remuneração extremamente baixa. Por que é possível ir para uma pizzaria, churrascaria no Brasil e comer de forma extravagante pagando preços módicos? Porque aqueles que lá trabalham, o pizzaiolo, o churrasqueiro têm remunerações extremamente baixas. O que chama atenção é que viabilizar e internalizar esse padrão de consumo é somente possível com uma brutal concentração de renda, com um sistema tributário que concentra renda, que tira dos pobres e dá para os ricos e com um Estado que se organizou para atender fundamentalmente os ricos, o andar de cima da sociedade, como dizia Milton Santos. Esse andar de cima tem tudo. Tem banco público, tem sistema de tecnologia, tem compras públicas, ou seja, montou- se uma estrutura para sustentar os de cima. Isso não é uma experiência exclusivamente brasileira, mas talvez chegamos a maior sofisticação".
"O Estado brasileiro precisa ser refundado. O Estado que temos hoje não serve. É um Estado apenas para os ricos e poderosos. Um novo Estado significaria a reinvenção do mercado. Por exemplo, dizem que o Estado admite competição. Isso é uma grande mentira. No mercado não tem competição. O mercado está completamente dominado pelas grandes corporações, embora 95% do mercado sejam constituídos de médias e pequenas empresas, mas elas não têm condições de participar de concorrências públicas, das grandes concorrências privadas, porque não há democracia no mercado, não há competição. O Estado que está aí não pode ser uma série de caixinhas, mas tem que atuar através de políticas matriciais, articuladas, integradas. O Estado que nós temos é um Estado herdeiro dos problemas do século 19 e 20. Temos o problema do analfabetismo. Como resolver? Só com professores, escola, material, pedagogia? Claro que não. Hoje o enfrentamento ao analfabetismo fica só na caixa do Ministério da Educação. Mas todo mundo sabe que o analfabetismo não é só um problema de educação. São questões de saúde, alimentação. O Estado de caixinhas fracassou. Nós fracassamos. Temos 11% da população analfabeta, doenças do século 19. Reforma agrária! Faz 60 anos que tentamos fazer reforma agrária e a estrutura fundiária que temos hoje é pior do que a estrutura de 1950, com o agravante de que hoje as terras estão sendo contratadas nas mãos de empresas estrangeiras. Estamos falhando e o problema não está na falta de recursos financeiros".
Reproduzo abaixo alguns trechos de uma entrevista recente publicada na "Caros Amigos":
"Ocorre que a educação de hoje não transforma as pessoas. Não está transformando. A educação conforma as pessoas para o mercado de trabalho. Não é uma educação para a vida. A educação que nós vamos precisar daqui para frente é educação para a vida, isso significa inverter a educação do jeito que ela é agora. O princípio da educação é a do especialista. Todo mundo quer ser especialista. Você vai ao hospital e tem lá o especialista em dedo direito, em dedo esquerdo. Tem o advogado especialista em uma área, outro em outra área, ou seja, a nossa estrutura educacional é de especialistas. O problema é que abandonamos o princípio da universalidade, isto é, da unidade do conhecimento. Todos tínhamos uma unidade do conhecimento. Hoje não temos. O resultado é que temos o especialista que sabe cada vez mais de menos coisas. A sociedade do conhecimento, da informação, nos coloca dados, análises de forma absurda que não temos condição de acompanhar, sistematizar. Resultado, nós estamos nos transformando cada vez mais numa população de ignorantes, analfabetos. Na minha área, por exemplo, não consigo acompanhar a profusão de livros, teses, artigos... Isso só da minha área de conhecimento. E as outras áreas?".
"Na sociedade do conhecimento não há justificativa técnica, não há razão alguma que as pessoas comecem a trabalhar antes dos 25 anos de idade. Não é a sociedade do conhecimento? O principal ativo não é a informação? Por que começar a trabalhar cedo? Por que começar a trabalhar antes de ter completado a universidade? Mas isso já existe no Brasil. Dificilmente vamos encontrar um filho de rico que tenha começado a trabalhar antes dos 25 anos de idade, depois de ter completado a universidade, ter feito MBA, ter estudado fora do país. Somente no Brasil os filhos de pobres estão condenados a trabalhar sempre. A gente quer dar trabalho para os filhos dos pobres, não quer educação. As ações de educação são todas voltadas para o mercado de trabalho. Os filhos dos pobres começam muito cedo a trabalhar. Por começar muito cedo, eles não estudam e vão ocupar os piores postos no mercado de trabalho brasileiro. Temos república no Brasil? Não temos república, nada. República significa a igualdade de oportunidades. E se há os que começam a trabalhar aos 15 anos de idade e outros só aos 25, não há igualdade de oportunidade. Os filhos dos ricos vão começar depois e ocupar os principais postos do mercado de trabalho, seja no setor público, seja no setor privado. O mercado de trabalho reproduz a desigualdade. Os filhos de pobres continuarão sendo pobres e os filhos dos ricos sendo ricos".
"O que deu sustentabilidade de longo prazo ao capitalismo no século 20 foi a produção de bens de consumo duráveis, como por exemplo, a casa própria e o automóvel. Não são apenas eles, mas a casa e o automóvel simbolizam o consumo no capitalismo do século 20. A produção desses bens se difundiu pelo mundo, no entanto, apenas um quarto da população mundial tem acesso a esse padrão de consumo. Apenas um quarto. É o que praticamente temos no Brasil. Para que esse padrão de consumo tivesse padrões mundiais, especialmente no mundo onde a renda per capita é muito baixa, foi necessário o aprofundamento do subdesenvolvimento, que é o que se pressupõe no Brasil. Em outras palavras: para que aqui no Brasil pudesse se instalar a indústria automobilística e a produção nacional comparável ao os países ricos foi necessário concentrar profundamente a renda, para poder viabilizar o padrão de consumo dos mais ricos. Se a gente for a qualquer cidade brasileira a gente vê segmentos sociais que participam de alto padrão de consumo. Há bairros de qualquer cidade brasileira onde há casas com garagem com quatro, cinco carros, cada membro da família tem um automóvel. Há casas compatíveis com padrão hollywoodiano de habitação".
"Os ricos vivem aqui muito melhor que a classe média e os ricos nos Estados Unidos e na Europa porque aqui os ricos não pagam impostos. E lá não existe como aqui essa massa de serviçais. É manicure, empregados domésticos, cortador de grama, faxineira, ou seja, um exército de prestadores de serviço. No Brasil, as famílias de classe média e ricas têm, em média, 13 serviçais à sua disposição para prestar serviços. São 13, no mínimo, ou seja, são mais de 20 milhões de pessoas que constituem esse exército com remuneração extremamente baixa. Por que é possível ir para uma pizzaria, churrascaria no Brasil e comer de forma extravagante pagando preços módicos? Porque aqueles que lá trabalham, o pizzaiolo, o churrasqueiro têm remunerações extremamente baixas. O que chama atenção é que viabilizar e internalizar esse padrão de consumo é somente possível com uma brutal concentração de renda, com um sistema tributário que concentra renda, que tira dos pobres e dá para os ricos e com um Estado que se organizou para atender fundamentalmente os ricos, o andar de cima da sociedade, como dizia Milton Santos. Esse andar de cima tem tudo. Tem banco público, tem sistema de tecnologia, tem compras públicas, ou seja, montou- se uma estrutura para sustentar os de cima. Isso não é uma experiência exclusivamente brasileira, mas talvez chegamos a maior sofisticação".
"O Estado brasileiro precisa ser refundado. O Estado que temos hoje não serve. É um Estado apenas para os ricos e poderosos. Um novo Estado significaria a reinvenção do mercado. Por exemplo, dizem que o Estado admite competição. Isso é uma grande mentira. No mercado não tem competição. O mercado está completamente dominado pelas grandes corporações, embora 95% do mercado sejam constituídos de médias e pequenas empresas, mas elas não têm condições de participar de concorrências públicas, das grandes concorrências privadas, porque não há democracia no mercado, não há competição. O Estado que está aí não pode ser uma série de caixinhas, mas tem que atuar através de políticas matriciais, articuladas, integradas. O Estado que nós temos é um Estado herdeiro dos problemas do século 19 e 20. Temos o problema do analfabetismo. Como resolver? Só com professores, escola, material, pedagogia? Claro que não. Hoje o enfrentamento ao analfabetismo fica só na caixa do Ministério da Educação. Mas todo mundo sabe que o analfabetismo não é só um problema de educação. São questões de saúde, alimentação. O Estado de caixinhas fracassou. Nós fracassamos. Temos 11% da população analfabeta, doenças do século 19. Reforma agrária! Faz 60 anos que tentamos fazer reforma agrária e a estrutura fundiária que temos hoje é pior do que a estrutura de 1950, com o agravante de que hoje as terras estão sendo contratadas nas mãos de empresas estrangeiras. Estamos falhando e o problema não está na falta de recursos financeiros".
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