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Saúde!

A edição de janeiro da revista “Brasileiros” estampa em sua capa o tema da cachaça. Num total de 13 páginas, com entrevista, boa reportagem, curiosidades e uma boa crônica, dá pra aprender um bocado de coisas a respeito da mais bacana das bebidas nacionais.

De todo esse material, duas coisas me chamaram a atenção. A primeira foi a comparação da cachaça ao presidente Lula, mas desta vez de uma forma bacana, não depreciativa. Nirlando Beirão, o autor do texto, fala que ambos, em geral, são mal vistos por certo nicho da sociedade, mas a cada dia ganham mais respeito e reconhecimento no exterior.

A segunda foi uma lista de nove curiosidades sobre a branquinha. Provavelmente todo bom bebedor já ouviu falar a respeito de uma outra, mas vale a pena reproduzir o texto aqui, sem deixar de sugerir a leitura de toda a revista, que traz, como sempre, belas reportagens, sempre a respeito de temas que dificilmente serão vistos em outras revistas.

Quantos graus de álcool tem a cachaça?
Varia entre 38 e 48 graus, resultado a que se chega com adição de água à bebida aquecida no processo de destilação. Maior ou menor teor não determina melhor ou pior qualidade do produto.

Dá pra fazer caipirinha com cachaça amarela, envelhecida?
A branquinha é mais neutra de sabor, portanto, recomenda-se usá-la, mas isso não é um mandamento. Há casos em que cachaças envelhecidas — não muito — podem entrar na composição com frutas mais potentes, como o caju.

Faz sentido colocar cachaça na geladeira?
Resfriar a bebida no verão pode ser interessante. Não interfere no sabor, fica mais licorosa, disfarça o álcool.

Por que cachaça ruim dá dor de cabeça?
A destilação, em alambique de cobre, dura de 24 a 30 horas e se dá em três etapas. Primeiro, na queima do bagaço, separa-se a “cabeça”, que representa até 10% do total a ser destilado. O “coração” corresponde a 80% do que é destilado. É a parte nobre da cachaça. Os 10% restantes são a “cauda”. As cachaças artesanais só aproveitam o coração no envelhecimento, o que não acontece com certas cachaças industriais. No caso destas, pode haver também adição de açúcar, a pretexto de tornar a bebida mais suave.

Assim como o vinho, o terreno pode interferir no sabor e na qualidade da cachaça?
A qualidade da cana, sim. Os produtores artesanais costumam plantar sua própria cana, portanto é mais fresca. Cana velha, ressecada, resulta em menos frescor e menos sabor. A influência do terreno — cascalho, calcário, argila, nível de acidez etc — não é tão determinante quanto no vinho. E, observando a qualidade da cachaça de Salinas, não dá para não desconfiar que o solo ali não tem a ver com excelência do produto final.

Envelhecimento é sinônimo de qualidade?
A primeira distinção importante a se observar está no próprio rótulo. Quando se diz “envelhecida” em tal ou tal tipo de madeira, a bebida foi guardada em barricas de menos de 700 litros; quando se diz “armazenada”, os volumes são maiores. Isso interfere, sim, na qualidade. Quando o rótulo diz “premium", o envelhecimento foi de dois anos; “extrapremium”, três ou mais. A madeira enriquece de sabores a cachaça, portanto as mais especiais são, de fato, as envelhecidas.

Por quanto tempo se pode guardar uma cachaça?
Depois de engarrafada, a cachaça — assim como os uísques e os conhaques — não envelhecem mais. E a perda por evaporação pode chegar a 2% ao ano.

De onde vem o nome pinga?
Segundo o folclorista Luis da Câmara Cascudo, vem das gotas que pingavam na boca do alambique depois da fervura e evaporação do caldo de cana fermentado. A cachaça tem mais de 500 sinônimos, segundo o Dicionário Houaiss.

Por que existe o hábito de derramar no chão um pouco da cachaça antes do primeiro gole?
O “gole para o santo” vem do candomblé, e o santo, no caso, seria Ogum, ou São Jorge, que tem fama de cachaceiro. Iansã, mulher de Ogum, usou do artifício de embebedá-lo para fugir com o irmão dele, Xangô.

Comentários

Fernando Pedroso disse…
Excelente jornalismo da revista 'Brasileiros'. Até uma reportagem sobre cachaça é usada para enaltecer o presidente Lula. De um lado, Brasileiro e Carta Capital e do outro a Veja. Um não pode falar mal do outro, pois fazem o mesmo tipo de 'jornalismo'.

Mas o restante da matéria me parece bem legal. A cachaça é vista como uma bebida pobre, mas merece tanta atenção quanto o vinho e a cerveja. Tem suas particularidades e cuidados para se fazer uma boa pinga.

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