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Os instintos da perfeição

Além do tradicional chavão de “que seja eterno enquanto dure”, muito se fala a respeito da necessidade que Vinicius de Moraes tinha de estar sempre apaixonado, como se esse sentimento fosse um tipo de combustível a alimentar seu corpo e sua alma.

Sempre achei essa característica do poeta um tanto quanto invejável — exceto pela parte dos nove casamentos ostentados em seu currículo. Escrevo isso porque há tempos não assistia, escutava ou lia algum tipo de manifestação com essa temática que realmente me fizesse matutar um pouco sobre esse assunto. Pois li (ou melhor, reli, mas foi como se tivesse lido pela primeira vez) há poucos minutos. E compartilho abaixo:

“Contemplando a gravura cor-de-rosa, senti de sopetão que tinha mais alguém na saleta, virei. Maria estava na porta, olhando para mim, se rindo, toda vestida de preto. Olhem: eu sei que a gente exagera em amor, não insisto. Mas se eu já tive a sensação da vontade de Deus, foi ver Maria assim, toda de preto vestida, fantasticamente mulher. Meu corpo soluçou todinho e tornei a ficar estarrecido”.

[...]

“Porém, não havia dúvida: Maria despertava em mim os instintos da perfeição”.

Em tempo: os trechos são de “Vestida de Preto”, um dos nove “Contos Novos”, obra de Mário de Andrade que todo mundo leu ou deveria ter lido durante o colégio ou cursinho.

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