Pular para o conteúdo principal

"Tudo vai passar, você vai veeeeeer"

Corria o final do ano de 1989 e toda a primeira metade de 1990. Collor havia sido eleito, o muro já havia caído, a Copa do Mundo na Itália estava chegando... mas, durante o início das noites entre segunda-feira até sábado, era impossível achar nas ruas da Vila Sônia algum amiguinho ou amiguinha pra brincar.

Provavelmente era um fenômeno nacional, já que entre setembro de 89 e maio de 90 a Globo levava ao ar seis vezes por semana "Top Model", novela-símbolo da molecadinha da minha geração, ao lado de "Carrossel".

Rolava uma espécie de código de ética durante aqueles meses: todos sabiam que até mesmo os fortões da rua ou do colégio assistiam à novela, mas pobre daquele que admitisse isso. "Top Model" era coisa de mulherzinha, assunto que só as meninas poderiam conversar no dia seguinte. Com "Carrossel", poucos anos depois, aconteceria algo parecido, mas com a diferença de que as travessuras de Jaime Palilo e as malvadezas de Maria Joaquina eram coisa pra criança, "não pra nós".

Em geral, o fenômeno de "Top Model" só veio a ser plenamente admitido em fins de adolescência, em alguma daquelas tradicionais conversas saudosas sobre a infância. Nas semanas finais da novela, alguns mais corajosos chegavam a abandonar as rodinhas futebolísticas pra comentar sobre o amor entre a Malu Mader e o Taumaturgo Ferreira.

No fundo, todo menino morria de inveja do Lucas, grafiteiro interpretado pelo Taumaturgo Ferreira. A maioria dos meninos ficava encantado com a então adolescente Gabriela Duarte, mas meu amor platônico pertencia à Malu Mader. Até hoje não posso ver aquelas sobrancelhas que várias de suas personagens me voltam à cabeça.

Vinte anos depois, revendo no YouTube uns trechos da novela, dá pra entender melhor seu sucesso entre a molecadinha da época. Provavelmente a boa sacada foi o núcleo em torno do personagem de Nuno Leal Maia, surfistão e pai solteiro de cinco filhos, entre eles a Gabriela Duarte. Assuntos como a primeira menstruação, trancar-se no banheiro com uma Playboy e as primeiras paixonites eram tratadas de uma forma muito legal, num esquema que viria a ser repetido mais tarde, na TV Cultura, no ótimo "Confissões de adolescente".

E quem não se lembra do Kiko Zambianchi cantando uma tradução toscona de "Hey Jude"? Envergonhado, percebi que ainda sei a letra de cor, entranhada definitivamente em alguma parte do meu cérebro, muito antes de prestar atenção em qualquer coisa dos Beatles.

Quer fazer o teste, caro leitor nascido nos anos 80? Veja aí:

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

I Was Born Ten Thousand Years Ago

E eis que de repente leio o seguinte parágrafo hoje no ônibus, na biografia de Paulo Coelho escrita por Fernando Morais: “Em dezembro de 1976 a Philips colocou nas ruas o quinto LP de Paulo com Raul, Há Dez Mil Anos Atrás [...]. A canção que dava nome ao álbum tinha duas peculiaridades: uma redundância no título e o fato de ser a tradução adaptada de I Was Born Ten Thousand Years Ago , conhecida canção tradicional americana de domínio público que tinha várias versões, a mais famosa delas gravada por Elvis Presley quatro anos antes”. Foram longos minutos até chegar ao trabalho e procurar no YouTube a versão original da música. E bateu uma certa sensação de ignorância por gostar de ambos (Elvis e Raul) e não saber que a longa letra é uma adaptação/tradução/homenagem. Sem mais delongas, seguem abaixo o vídeo e a letra original, com a ressalva de que há mais de uma versão para I Was Born Ten Thousand Years Ago : I WAS BORN ABOUT TEN THOUSAND YEARS AGO (Traditional - Adapted by Elvis Presl...

Bismarck, unificação e as consequências da industrialização alemã

É impossível afirmar que um evento com a magnitude da Primeira Guerra Mundial tenha ocorrido por conta de um fenômeno isolado – são vários os elementos envolvidos. No entanto, para muitos historiadores e analistas, o papel geopolítico desempenhado pela Alemanha no final do século 19 foi um fator preponderante para o início do conflito. Este trabalho pretende analisar, pelo viés do desenvolvimento econômico da Alemanha, de que maneira um país unificado somente em 1871 pôde se transformar, em pouco mais de quatro décadas, em uma nação de primeira grandeza – a ponto de ser um dos protagonistas da Primeira Guerra. Que elementos – externos e internos – contribuíram para essa ascensão? Até que ponto é correto responsabilizar os alemães pelo estopim do conflito que viria a tirar as vidas de 19 milhões de pessoas? De 1789 a 1848 – anos cercados por revoluções Uma geração inteira, tanto na França quanto nos estados germânicos, cresceu sob o impacto direto das consequências da Revolução Francesa...

A grandeza de Nelson Ned

Um belo dia, em um programa de televisão (“Conexão Internacional”, da extinta Rede Manchete), Chico Buarque enviou uma pergunta para Gabriel García Márquez: “As suas preferências musicais causam espanto em muita gente, principalmente aqui no Brasil. Eu queria saber se os seus romances fossem música, seriam samba, tango, som cubano ou um bolero vagabundo mesmo?”. Com elegância e sem vergonha de suas preferências, o escritor colombiano respondeu: “Eu gostaria que fossem um bolero composto por você e cantado pelo Nelson Ned”. Pela terceira vez (haverá ainda um quarto texto), recorro a “Eu não sou cachorro, não”, livro de Paulo César Araújo para relatar causos de nossa cultura popular. Pouco antes da resposta de Gabo a Chico, fico sabendo ainda que o Nobel de Literatura escreveu “Crônica de uma morte anunciada” ao som de canções como “Tudo passará”, do grande pequeno cantor brasileiro, cuja obra em geral é relegada aos rótulos de “cafona” e “brega” de nossa discografia. Nelson Ned é figura...