Pular para o conteúdo principal

Sobre sociedades ideais e descrições romantizadas

Desde moleque me pergunto por que nunca estudamos pra valer na escola o funcionamento de países cujas sociedades parecem beirar a perfeição. Refiro-me a nações como a Dinamarca, Noruega e Suécia, onde o modelo vencedor foi o do bem-estar (ainda tem hífen?) social.

Sempre me incomodou a concentração de estudos e análises sobre países como os Estados Unidos e Inglaterra, por um lado, e todos os que compõem (ou compunham), em outra direção, o bloco comunista.

Esse tema já serviu de várias conversas, com diferentes tipos de amigos e amigas. Com os mais sérios, vinham defesas e ataques tanto para a sociedade individualista e predatória norte-americana quanto para o comunismo. Com os mais aventureiros, planos e mais planos de viagens para destinos europeus que nunca entram na lista dos mais visitados. Com os mais sacanas, vislumbrávamos a possibilidade de conhecer o "welfare state" que as suecas e seus dotes peculiares poderiam nos proporcionar...

Esses devaneios meio soltos vieram à cabeça pela manhã, no ônibus (como quase sempre), enquanto lia o livro lançado recentemente por André Midani, executivo do mais alto quilate no ramo da música, nascido na Síria, criado na França e radicado na Brasil desde os anos 50.

"Música, ídolos e poder - Do vinil ao download" é uma auto-biografia (tinha hífen antes?) na qual Midani dedica umas boas 60 páginas para seus anos infantis e adolescentes. Para justificar todo esse post, transcrevo abaixo uns trechos que me pareceram bacanas, referentes a um período no final dos anos 40, quando o autor tinha pouco menos de 20 anos:

"Meu encontro com a Suécia foi um choque cultural. As pessoas trabalhavam 35 horas semanais durante o inverno, trinta durante o verão e administravam, elas mesmas, as horas diárias de trabalho. A diferença entre o maior e o menor salário era de um para cinco. Médicos e hospitais eram grátis, assim como escolas e universidades. Não havia praticamente ninguém nas prisões. Não tinha pobreza."

"Para coroar aquele mundo mágico, quando se perguntava a alguém sobre sua ocupação, a resposta se referia ao hobby, não ao trabalho. O jazz ou a música clássica, a pintura, o teatro amador e a astronomia eram práticas da maior parte das pessoas de qualquer idade. Viver era preciso, e viver de modo inteligente, aperfeiçoando a cultura, era a finalidade da existência."

"Eu ensinava confeitaria ao pessoal do hotel até as quatro da tarde, jogava tênis até as sete e tocava bateria até a meia-noite. As suecas eram muito bonitas e amorosas."

Não vou-me embora pra Pasárgada e nem pra Estocolmo, mas esses três parágrafos resumem de maneira muito legal um tipo de campanha que venho pregando há tempos com amigos: o trabalho tem que ter uma importância reduzida em nossas vidas, tem que ser algo menos importante do que o lazer, do que os momentos de prazer que podemos ter. Por mais que a descrição feita por Midani seja um tanto romantizada, ela serviu para fortalecer o ponto de vista que venho defendendo. E também para aumentar a curiosidade em relação às suecas...

Comentários

Eduardo Passos disse…
Olá!
Adorei a ironia do mapa política. Você é paulista? Gostei muito também do texto sobre a Suécia.

Vim parar no seu blog por acaso. Entrei em um e vim parar aqui clicando em "próximo blog". Depois dá uma passada lá no meu blog. Aproveita e me responde uma coisa. Você é meu parente? Também sou um Damasceno.

Abraço

Postagens mais visitadas deste blog

I Was Born Ten Thousand Years Ago

E eis que de repente leio o seguinte parágrafo hoje no ônibus, na biografia de Paulo Coelho escrita por Fernando Morais: “Em dezembro de 1976 a Philips colocou nas ruas o quinto LP de Paulo com Raul, Há Dez Mil Anos Atrás [...]. A canção que dava nome ao álbum tinha duas peculiaridades: uma redundância no título e o fato de ser a tradução adaptada de I Was Born Ten Thousand Years Ago , conhecida canção tradicional americana de domínio público que tinha várias versões, a mais famosa delas gravada por Elvis Presley quatro anos antes”. Foram longos minutos até chegar ao trabalho e procurar no YouTube a versão original da música. E bateu uma certa sensação de ignorância por gostar de ambos (Elvis e Raul) e não saber que a longa letra é uma adaptação/tradução/homenagem. Sem mais delongas, seguem abaixo o vídeo e a letra original, com a ressalva de que há mais de uma versão para I Was Born Ten Thousand Years Ago : I WAS BORN ABOUT TEN THOUSAND YEARS AGO (Traditional - Adapted by Elvis Presl...

Bismarck, unificação e as consequências da industrialização alemã

É impossível afirmar que um evento com a magnitude da Primeira Guerra Mundial tenha ocorrido por conta de um fenômeno isolado – são vários os elementos envolvidos. No entanto, para muitos historiadores e analistas, o papel geopolítico desempenhado pela Alemanha no final do século 19 foi um fator preponderante para o início do conflito. Este trabalho pretende analisar, pelo viés do desenvolvimento econômico da Alemanha, de que maneira um país unificado somente em 1871 pôde se transformar, em pouco mais de quatro décadas, em uma nação de primeira grandeza – a ponto de ser um dos protagonistas da Primeira Guerra. Que elementos – externos e internos – contribuíram para essa ascensão? Até que ponto é correto responsabilizar os alemães pelo estopim do conflito que viria a tirar as vidas de 19 milhões de pessoas? De 1789 a 1848 – anos cercados por revoluções Uma geração inteira, tanto na França quanto nos estados germânicos, cresceu sob o impacto direto das consequências da Revolução Francesa...

A grandeza de Nelson Ned

Um belo dia, em um programa de televisão (“Conexão Internacional”, da extinta Rede Manchete), Chico Buarque enviou uma pergunta para Gabriel García Márquez: “As suas preferências musicais causam espanto em muita gente, principalmente aqui no Brasil. Eu queria saber se os seus romances fossem música, seriam samba, tango, som cubano ou um bolero vagabundo mesmo?”. Com elegância e sem vergonha de suas preferências, o escritor colombiano respondeu: “Eu gostaria que fossem um bolero composto por você e cantado pelo Nelson Ned”. Pela terceira vez (haverá ainda um quarto texto), recorro a “Eu não sou cachorro, não”, livro de Paulo César Araújo para relatar causos de nossa cultura popular. Pouco antes da resposta de Gabo a Chico, fico sabendo ainda que o Nobel de Literatura escreveu “Crônica de uma morte anunciada” ao som de canções como “Tudo passará”, do grande pequeno cantor brasileiro, cuja obra em geral é relegada aos rótulos de “cafona” e “brega” de nossa discografia. Nelson Ned é figura...