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Um livro junto do Bolsa-família

Proseando dia desses com o camarada Toni, falávamos sobre a importância de sempre ter à disposição alguns livros. Por mais que o sujeito não tenha o hábito de ler, uma hora ele vai querer algo diferente de televisão e internet... aí, quem sabe, o livro pode aparecer, como quem não quer nada, e passar a fazer parte da vida do pobre rapaz ou da ingênua mocinha.

Prova disso (e de como há demanda por leitura) é um texto do Xico Sá publicado no Nominimo. Aí vai a cópia descarada dele, por uma boa causa:

Embarque na Leitura

Com três bibliotecas -estações Paraíso, Tatuapé e da Luz-, o programa Embarque na Leitura, uma iniciativa do Metrô de SP com gerenciamento do Instituto Brasil Leitor, conta com 15 mil passageiros filiados e uma retirada diária, por empréstimo, de 200 livros em média.

Para aproveitar o serviço basta se cadastrar em uma das estações, com um documento (RG ou CPF) e uma foto 3×4. São dez mil títulos, de best-sellers aos clássicos, nas prateleiras. O amigo pode ficar com o livro por um período de dez dias, prazo renovável, afinal de contas, se for, por exemplo um Guerra & Paz, do russo León Tolstói, por mais que você cruze a cidade da Barra Funda a Itaquera, ainda carecerá de um tempo extra para lê-lo a valer.

Tem de tudo no Embarque na Leitura. Dos livros básicos exigidos na escola, como Machado de Assis e José de Alencar, a ensaios de história contemporânea, caso do Edward Said, entre outros. Se o caro leitor é chegado em um Paulo Coelho, na boa, sem preconceito, pode pegar também, embora seja um desperdício de tempo, mesmo o tempo parado do trânsito de São Paulo, não acha? [Discordâncias para a porta restante dos comentários abaixo!].

Sandra Novaes, 35, usuária do programa de leitura do metrô paulistano desde o início do serviço, em 2004, encontra nos poetas o conforto para segurar a onda na correria de SP. “Pego um Manuel Bandeira e o mundo que se dane”, diz a secretária de um banco na avenida Paulista. “Antes estava na fase Drummond, peguei todos, agora estou de ´belo belo que te quero´”, recita a linda bandeiriana, me deixando em apuros em plena estação Consolação.

O gerente Antonio Lins, 29, vai de auto-ajuda mesmo, sem drama. “Ah, quero uma leitura que me ajude a crescer, né?”, ele tenta uma explicação possível. “O último que peguei acho que foi aquele dos gansos, como é mesmo?” Refere-se ao precioso volume “O que podemos aprender com os gansos”, de Alexandre Rangel, você já leu, amigo passageiro?

Wagner Santos, 39, é funcionário terceirizado da companhia do Metrô, e esnoba: “Meu negócio é Ítalo Calvino”. A amiga dele, Maristela Soares Ponciano, 44, acaba de pegar O Alienista, de Machado, para um trabalho do filho na escola. “É sobre o que mesmo esse livro?”, ela pergunta. “Sobre um maluco que não é maluco”, solta Wagner, na mosca.

Nada melhor para agüentar a Stressolândia -que dia o de ontem, amigos, com direito a pane nas estações e um mundo revirado!- do que essa viagem literária do nosso metropolitano. Bom final de semana a todos.

Longe de mim querer fazer propaganda tucana por aqui, mas é uma iniciativa muito boa, e que remete ao papo que tive com o Toni. Durante o almoço, brincamos que toda cesta básica distribuída pelo governo deveria vir acompanhada de um livro. Melhor ainda: se cada uma das 11 milhões de casas que recebem o Bolsa-família fossem agraciadas com um Machado num mês, um livro de poesias no outro, um Jorge Amado depois, o resultado a longo prazo seria assustador, de tão bom.

Em tempo: o Xico Sá sempre escreve coisas bem boas no Nominimo. Vale a visita.

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