Pular para o conteúdo principal

"Uma noite em 67" foca geração musical que virou tudo de ponta cabeça

“É naquele momento que o Tropicalismo explode, a MPB racha, Caetano e Gil se tornam ídolos instantâneos, e se confrontam as diversas correntes musicais e políticas da época”. A frase de Nelson Motta resume bem o que foi a noite de 21 de outubro de 1967, data em que se realizou o 3º Festival de Música Popular Brasileira da TV Record. “Uma noite em 67”, por sua vez, além de documentar os bastidores dessa data histórica, tenta explicar o que se passou daquela noite em diante na história da música no país.

O documentário de Renato Terra e Ricardo Calil é simples no formato e vai direto ao que se propõe, ao intercalar cenas de arquivo daquela noite e entrevistas gravadas depois de quatro décadas com alguns de seus protagonistas. Boa parte das imagens faz parte do repertório daqueles que se interessam por MPB, como a de Sergio Ricardo quebrando seu violão e Caetano e Chico Buarque cantando “Roda viva” com os rapazes do MPB-4, mas seus diretores acertam em cheio ao selecionar, por exemplo, as íntegras das apresentações dos cinco finalistas do Festival e também algumas das entrevistas feitas nos camarins, entre toda a algazarra que marcou o evento.

Edu Lobo, com “Ponteio”, Gilberto Gil, com “Domingo no parque”, Chico Buarque, com “Roda viva”, Caetano Veloso, com “Alegria, alegria” e Roberto Carlos, com “Maria, carnaval e cinzas”, pela ordem, foram os cinco finalistas daquela noite. Não é exagero dizer que a influência de quase toda a cultura musical produzida no Brasil a partir de então girou em torno dessas cinco apresentações.

Lá estavam Roberto Carlos, já em fase transitória na carreira, experimentando cantar um samba e às vésperas de deixar para trás a fase iê-iê-iê; Edu e Chico, alçados à condição de bons moços do Festival, com “cara de smoking”, ensaiavam músicas de protesto e uma fase mais madura em suas carreiras; Caetano e Gil, os desajustados da patota, mesclavam as influências culturais, visuais, musicais e quase apolíticas que desembocariam na Tropicália.

Tudo em uma noite. Todos lá, imberbes, “moleques” com menos de 30 anos, sedentos para construir algo que nenhum deles poderia mensurar, sem imaginar o que viria pela frente em suas próprias histórias e muito menos no que aconteceria a seu redor, pouco mais de um ano depois daquela noite.

Veja abaixo o trailer do documentário:

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

I Was Born Ten Thousand Years Ago

E eis que de repente leio o seguinte parágrafo hoje no ônibus, na biografia de Paulo Coelho escrita por Fernando Morais: “Em dezembro de 1976 a Philips colocou nas ruas o quinto LP de Paulo com Raul, Há Dez Mil Anos Atrás [...]. A canção que dava nome ao álbum tinha duas peculiaridades: uma redundância no título e o fato de ser a tradução adaptada de I Was Born Ten Thousand Years Ago , conhecida canção tradicional americana de domínio público que tinha várias versões, a mais famosa delas gravada por Elvis Presley quatro anos antes”. Foram longos minutos até chegar ao trabalho e procurar no YouTube a versão original da música. E bateu uma certa sensação de ignorância por gostar de ambos (Elvis e Raul) e não saber que a longa letra é uma adaptação/tradução/homenagem. Sem mais delongas, seguem abaixo o vídeo e a letra original, com a ressalva de que há mais de uma versão para I Was Born Ten Thousand Years Ago : I WAS BORN ABOUT TEN THOUSAND YEARS AGO (Traditional - Adapted by Elvis Presl...

Bismarck, unificação e as consequências da industrialização alemã

É impossível afirmar que um evento com a magnitude da Primeira Guerra Mundial tenha ocorrido por conta de um fenômeno isolado – são vários os elementos envolvidos. No entanto, para muitos historiadores e analistas, o papel geopolítico desempenhado pela Alemanha no final do século 19 foi um fator preponderante para o início do conflito. Este trabalho pretende analisar, pelo viés do desenvolvimento econômico da Alemanha, de que maneira um país unificado somente em 1871 pôde se transformar, em pouco mais de quatro décadas, em uma nação de primeira grandeza – a ponto de ser um dos protagonistas da Primeira Guerra. Que elementos – externos e internos – contribuíram para essa ascensão? Até que ponto é correto responsabilizar os alemães pelo estopim do conflito que viria a tirar as vidas de 19 milhões de pessoas? De 1789 a 1848 – anos cercados por revoluções Uma geração inteira, tanto na França quanto nos estados germânicos, cresceu sob o impacto direto das consequências da Revolução Francesa...

A grandeza de Nelson Ned

Um belo dia, em um programa de televisão (“Conexão Internacional”, da extinta Rede Manchete), Chico Buarque enviou uma pergunta para Gabriel García Márquez: “As suas preferências musicais causam espanto em muita gente, principalmente aqui no Brasil. Eu queria saber se os seus romances fossem música, seriam samba, tango, som cubano ou um bolero vagabundo mesmo?”. Com elegância e sem vergonha de suas preferências, o escritor colombiano respondeu: “Eu gostaria que fossem um bolero composto por você e cantado pelo Nelson Ned”. Pela terceira vez (haverá ainda um quarto texto), recorro a “Eu não sou cachorro, não”, livro de Paulo César Araújo para relatar causos de nossa cultura popular. Pouco antes da resposta de Gabo a Chico, fico sabendo ainda que o Nobel de Literatura escreveu “Crônica de uma morte anunciada” ao som de canções como “Tudo passará”, do grande pequeno cantor brasileiro, cuja obra em geral é relegada aos rótulos de “cafona” e “brega” de nossa discografia. Nelson Ned é figura...